AGENDA CULTURAL

28.6.13

Rio Grande do Sul está perdendo seu sistema literário

Maior editora gaúcha, L&PM, anuncia mudança para São Paulo

 Zero Hora - 25/06/13

 Não se pode dizer que a notícia surpreende, mas se trata de um fato emblemático para a literatura e o mercado editorial gaúcho: a L&PM está reduzindo suas operações em Porto Alegre e instalando a maior parte da empresa em São Paulo. A nova base ocupará uma área de 2,5 mil metros quadrados no Bom Retiro, na capital paulista, onde a L&PM vende 60% de seus livros. Deve economizar R$ 1 milhão por ano só com gastos de frete e tornar seu custo operacional 8% menor, projeta o editor Ivan Pinheiro Machado.

Ivan fica. Ele e parte dos departamentos administrativo e de comunicação. O editorial, o comercial e, de resto, boa parte dos cerca de 70 funcionários da L&PM, estão fazendo as malas.




– Vamos diminuir o prejuízo, acabar com o que eu chamo de “custo RS” – explica Pinheiro Machado. – Filosoficamente, cabe ressaltar, não há mudança nenhuma, continuaremos com o mesmo tipo de postura editorial. A decisão é estratégica, de logística. Vendemos entre 150 mil e 250 mil livros por mês. Desses, menos de 10 mil são no Rio Grande do Sul. O mercado gaúcho se tornou quase irrelevante para o nosso negócio.

Por “negócio” entenda-se especificamente o perfil de casa editorial que a L&PM representa: volume alto de vendas, abrangência nacional, números bem superiores aos dos seus concorrentes no Estado. As editoras menores não enfrentam o mesmo problema. Enquanto a L&PM vende 5% de seus livros no Rio Grande do Sul, o percentual da Arquipélago chega a 15%, e o da Belas-Letras (com sede em Caxias do Sul), a 19%.

– O movimento da L&PM me parece natural pelo perfil da editora – diz Tito Montenegro, da Arquipélago. – Mesmo em se tratando dos selos maiores, no entanto, vale lembrar que o mercado é dinâmico. O livro digital (cujas estimativas de participação no mercado nacional já superam os 2%) está crescendo, e sua distribuição independe de logística física.

Assim como a L&PM, a Arquipélago vende cerca de 60% de seus livros para distribuidoras localizadas em São Paulo. A Belas-Letras, 42%. Tito Montenegro e também Gustavo Guertler, da editora caxiense, ressaltam que esse percentual não significa necessariamente o mercado paulista.

– É que as grandes redes (Cultura, Fnac, Saraiva) compram de lá para depois distribuir para o restante do país – explica Guertler. – Às vezes, enviamos um livro de Caxias para a Livraria Cultura, em São Paulo, e este mesmo livro faz a viagem de volta para ser vendido em Caxias.

Ivan Pinheiro Machado sabe que, em São Paulo, a mão de obra é mais cara. Entre capistas, tradutores e outros profissionais, diz que a L&PM mobiliza 200 profissionais – além dos 70 de seu quadro fixo. Pôs tudo isso na conta e, ainda assim, estima economias anuais na casa do milhão, talvez milhões de reais.

– No fundo, é tudo uma questão de projeto. Se você publica muitos livros didáticos, é natural pensar em se instalar em Brasília, para suas operações logísticas estarem próximas do governo federal, que é quem compra esses livros. Se você investe prioritariamente em história regional, o interesse do público naturalmente será maior na região sobre a qual suas publicações falam – observa Guertler.

Nesse sentido, estar no Rio Grande do Sul já é começar um passo atrás. Pinheiro Machado explica:

– Não dá para contar com compras de livros do governo gaúcho. O mercado literário local está menor porque a economia local se apequenou, e o investimento em literatura, refletindo isso, praticamente sumiu.

Problema de Estado

– Quando eu afirmei isso durante o governo Yeda, queriam me processar. Mas é verdade: o governo gaúcho não compra livros desde 1996 – diz o editor da L&PM. – Para comparação: semana passada, vendemos 1 milhão de livros para o governo do Estado de São Paulo. Isso só a L&PM. Outras 22 editoras foram envolvidas nessa grande compra.


Falando das limitações do mercado gaúcho, o comandante da maior editora local chama a atenção para a falta de investimentos e de políticas de valorização do livro no Rio Grande do Sul.

Admitindo o problema, a Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) lançou, em 2011, o primeiro de uma série de editais de modernização das bibliotecas gaúchas. Disponibilizou, inicialmente, R$ 1 milhão (do orçamento do Estado) para o programa, que previa atingir até 50 municípios – alcançou 32. No segundo edital, lançado em 2012, foram R$ 3,3 milhões (obtidos em parceria com o governo federal) destinados a bibliotecas de 125 municípios – 79 já garantiram quantias entre R$ 20 mil (destinadas a instituições de localidades menores) e R$ 50 mil (para as maiores).

– Promovemos oficinas para ajudar os responsáveis pelas bibliotecas a fazerem projetos de aquisição. Estamos dando cursos de capacitação. Exigimos que se equipe as instituições com literatura gaúcha, brasileira e latino-americana. E metade do valor precisa ser destinado à compra de livros, e não apenas à investimentos em mobiliário e informatização – explica Rosana Vasques, coordenadora do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas.

De 1996 a 2011, passaram-se 15 anos e cinco governos diferentes. O longo período de estancamento é representativo das dificuldades financeiras enfrentadas por todos eles – e de sua falta de criatividade para investir na literatura. Um grande símbolo do período é a própria condição da Biblioteca Pública do Estado. Em restauro desde 2007, o prédio que sedia a instituição não tem mais condições de abrigar novos livros. De modo que, se o objetivo for incrementar o acervo, que atualmente é de 240 mil volumes (e que está em parte deslocado para a Casa de Cultura Mario Quintana, para onde foram transferidos serviços básicos durante a reforma), é preciso, antes disso, pensar em um novo espaço para guardá-los.

Vale ressaltar também que, nesse período, a instituição não ficou sem receber novos volumes – há as doações dos bancos de livros e dos arquivos particulares. Mas a provocação com jeito de denúncia de Ivan Pinheiro Machado diz respeito à desvalorização do livro perante o poder público.

– Aquele monte de lojas da Sulina não existe mais, a Mercado Aberto acabou, a “Rua do Livro” (Riachuelo, no Centro da Capital) não é mais a mesma – lamenta Pinheiro Machado. – Talvez esta mudança da L&PM seja um movimento natural, mesmo. Mas estamos diante de algo que merece reflexão.

L&PM não é a primeira

Não é a primeira vez que o Rio Grande do Sul sedia uma das grandes editoras brasileiras – e que a vê partir rumo ao sudeste do país, ou simplesmente sucumbir a uma crise econômica.

O caso mais marcante é o da Globo, que surgiu como uma loja da Rua da Praia no distante 1883. Transformou-se em gráfica e na livraria mais badalada da Capital nos anos 1930 e 40, além de casa responsável pela publicação de autores como Erico Verissimo e uma das grandes revistas do país à época – a Revista do Globo. Até que, depois de se dividir em duas (livraria e editora), tornar-se empresa de capital aberto e se mudar para o Rio de Janeiro (em 1980), foi incorporada pelas organizações Globo (em 1986), dirigidas por Roberto Marinho.

Mais comuns são as histórias de perda de força e representatividade, como ocorreu com a Sulina e a Mercado Aberto, selos de abrangência nacional sediados em Porto Alegre. A Sulina segue publicando e distribuindo seus livros – em boa parte não ficcionais – pelo país, mas ocupa um mercado mais restrito, na comparação com os anos 1980, quando mantinha 19 lojas espalhadas pela Capital.

Já o caso da Mercado Aberto, para repetir um termo usado pelo escritor e tradutor Marcelo Backes em artigo na revista Entre Livros, é de “morte tácita”.

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