Marco Damiani _247 – O que foi mesmo o que houve em Frankfurt, Alemanha, na semana passada? Na maior feira do livro do mundo, o país homenageado iniciou, desenvolveu e fechou sua participação sob grossas polêmicas - e saiu com sua imagem e literatura fortalecidas.
"O Brasil discutiu suas angústias e politizou a feira, o que foi muito saudável", comemorou o presidente da Feira do Livro de Frankfurt, Jürgen Boos. "Vocês podem ter muito orgulho do seu país".
Até aí, já sabíamos e não sabíamos, mas como ficaram os resultados objetivos do investimento público de R$ 18 milhões, dividido entre a montagem do pavilhão brasileiro, por cerca de R$ 5 milhões, e gastos com eventos paralelos e simultâneos ligados à iniciativa?
"Já temos os primeiros resultados. Há muita coisa ainda em curso, como o fechamento de compras de direitos sobre diversas obras, mas o saldo é positivo sim", disse ao 247 a ministra da Cultura, Marta Suplicy. Ela pareceu ter sido comedida. Esses primeiros resultados do investimento brasileiro poderiam, em meio a todas as polêmicas, serem chamados de espetaculares.Exagero?
BRASIL BATE RECORDE DE EVENTOS PARALELOS - O pavilhão brasileiro foi visitado por 60 mil pessoas. Dos 70 escritores apresentados, 10 já fecharam contratos com a editora digital Amazon, a maior do planeta. As editoras de papel compraram direitos que, por contratos anunciados até aqui, já somam o dobro do valor obtido em 2010, na última edição da Feira. O País quebrou, agora, o recorde do evento na realização de ações paralelas de divulgação, que pertencia à China, homenageada anterior, com 494 ações. Cravou-se, na feira e em suas longas adjacências, 651.
Grandes edifícios e murais de Frankfurt foram coloridos em trabalhos de 12 grafiteiros do Rio de Janeiro e São Paulo, escolhidos por curadoria da feira do livro durante um ano de pesquisas e intercâmbios. "Foi um trabalho de muita profundidade, que deixou a cidade semelhante a várias regiões do Rio", compara ela.
Marta frisa uma informação: vinte museus e espaços artísticos locais exibiram mostras brasileiras paralelas à feira. Esse número corresponde à totalidade dos equipamentos culturais de Frankfurt. Não sobrou nem um cantinho formal que não mostrasse algo sobre o Brasil. Goste-se disso ou não, tratou-se de uma inédita e bem sucedida, ente público e crítica, apropriação, a convite, do principal campo cultural e de negócios correlatos no país mais rico da Europa, a Alemanha.
Boos, o presidente da feira do livro, disse que nunca antes um país havia explorado tão amplamente as conexões com a cidade durante o evento. "Tomou conta", pode-se traduzir de uma das frases dele. Pegou bem.
"De fato, causamos impacto. E acabou de vez aquela imagem de o povo brasileiro ser apenas uma gente alegre que não para de dançar. Tem isso, mas se viu muito mais também", afirmou a ministra ao 247.
ÁRVORES IMORTAIS - As sacadas de interação no pavilhão brasileiro entre o universo nacional e o público global, com potentes doses de tecnologia, foram ressaltados em grandes espaços na mídia global. Responsa de Daniela Thomas e Felipe Tassara. "Procuramos iluminar a mente das pessoas contra os clichês sobre o Brasil", demarcou Daniela. Como numa aula de spinning em academia de ginástica, pedaladas em bicicletas estáticas faziam surgir num telão diferentes imagens do Brasil.
Para a ministra da Cultura, uma criação "genial" motivou um final feliz.
- Eles fizeram como árvores das quais as pessoas tiravam folhas que eram papeis com trechos de livros de autores brasileiros imortais, com a tradução em outras línguas. O público podia escolher e levar consigo. No final da feira, não havia restado um papelzinho sequer. Todos foram levados embora.
E tudo, nesta aventura em Frankfurt, começou em polêmica que a alguns pareceu grossa. Escolhido pelo grupo de curadores, o escritor Luiz Ruffato abriu o pavilhão brasileiro batendo fortíssimo no quadro social do país. O escritor e cartunista Ziraldo se recusou a aplaudir e pediu para ser acompanhado. Não se sabe se por isso - Ruffato foi quase ovacionado -, o certo é que no dia seguinte o velho e bom Zira precisou ser internado às pressas e passar por um cateterismo. Ainda estava no leito quando a feira terminou.
O pronunciamento de Ruffato politizou a presença brasileira, e acentuou-lhe a repercussão. O que poderia ter sido mais, digamos, calmo, transcorreu em 220 volts.
- Nem tudo ocorreu como havíamos planejado, reconhece a ministra, em tom elegante. Mas a tarefa agora é avaliar o resultado, contabilizar se empregamos bem o dinheiro público, continuou.
BRASIL ACEITA CONVITE PARA FEIRA DO LIVRO INFANTO-JUVENIL DE BOLONHA - "Agora temos Bolonha pela frente para preparar", lembrou Marta, a respeito do convite já aceito para o pais ser homenageado na Feira do Livro Infanto-Juvenil de Bolonha, no ano que vem.
"Acho que também poderemos fazer uma bom papel lá. Nossa produção infanto-juvenil é talvez a melhor do mundo. Depois, em 2015, as feiras de Londres e Paris também já convidaram o Brasil para ser o país homenageado, e quanto a isso também teremos de ver se queremos aceitar, adiantou a ministra.
No campo do agito propriamente dito em Frankfurt, igualmente não dá para não dizer que não foi um show da chamada delegação brasileira. No pós-Ruffato, o desenvolvimento no pavilhão surpreendeu pela "explosão de criatividade", pelos encontros comerciais realizados e até por um toque final prosaico: a edição em alemão do romance Saraminda, do ex-presidente José Sarney, foi cancelada após o consulado brasileiro desconfirmar uma obscura promessa de compra de 500 exemplares feita a um editor alemão.
Menos mal que Sarney não estava na comitiva de 70 escritores brasileiros escolhidos pelos curadores. O acordo vocalizado pelo cônsul do Brasil para bancar a compra foi feito seis meses atrás. Nem Sarney constou da lista oficial nem o best-seller Paulo Coelho.
Convidado, o tal bruxo fez exigências como discursar sozinho para um auditório para duas mil pessoas, quando o pavilhão brasileiro comportou um para "apenas" 250 cadeiras, palpitar forte na lista de seus colegas escritores elaborada pelos curadores e, sim, discursar na abertura do pavilhão excluindo Ana Maria Machado, presidente da Academia Brasileira de Letras, e o homem-bomba Ruffato, conforme 247 apurou.
Sem crachá, a Coelho restou durante a efervescência desta verdadeira festa de Macunaíma em que a feira se transformou, disparar pequenas frases com provocações pelo Twitter. Pequeno, quando não estava tuitando ficou, como uma criança sem nada para fazer, chupando o dedo. Ou quase isso.