Hélio Consolaro*
Tomei consciência de que a força invencível que
impulsionou o mundo não são os amores felizes, mas os contrariados (Memórias de
minhas putas tristes, Gabriel Garcia Marques).
Justamente na véspera de meus 40 anos de casado, os
jornais divulgaram pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) sobre o casamento no país. Forte provocação para eu escrever esta crônica.
Na estatística, as relações humanas, o amor, todos os
sentimentos se transformam em número. Lembrei-me de uma crônica de Clarice
Lispector: “O amor não tem número”.
Como o narrador do livro “Memórias de minhas putas
tristes”, de Garcia Marques, que descobriu o amor aos 90 anos, depois que não
conseguiu fazer mais sexo, descubro que estou pronto para o casamento agora,
aos 40 anos de vida em comum com a mesma pessoa, antes foi tudo aprendizagem
que deixou marcas.
Ambos, eu e ela, frequentamos a mesma escola, passamos
pela mesma estrada, mas cada um aprendeu de um jeito as lições. Nesse cair e
levantar-se, houve arranhões profundos, deixando cicatrizes que ainda doem
quando passamos por certas datas, como o aniversário de casamento.
Sou cronista, não sou repórter, por isso não ponho aqui o
outro lado. Sou unilateral como o narrador Bentinho do livro Dom Casmurro,
embora não possa chamar minha companheira de Capitu, porque na minha história
eu sou a personagem feminina de Machado de Assis. Se a imputação que os críticos literários lhe fizeram for
verdadeira.
Não escrevo este texto sob forte emoção, estou sendo
estatístico até o momento, pois não há mágoas. Depois de tanto tentar se encontrar no casamento,
resolvi, tempos atrás, procurar outras mulheres, quando descobri que só trocava
os problemas. Então aprendi que eles sempre existirão, que a vida é uma
sequência deles. A sabedoria estava em resolvê-los em comunhão. Cumpramos, humanos, a vocação de Sísifo.
Tropecei com as verdades, estavam escritas na Bíblia e
noutros livros que eu mesmo li, mas passei por cima delas, não as enxerguei. A
aprendizagem se dá de forma diferenciada em cada pessoa, por isso alguns moços
já nascem velhos, sábios.
Também não me arrependo do que fiz, porque minhas
cabeçadas me amadureceram, foram buscas, mas quando voltei, as pedras não
estavam no mesmo lugar. Podia ter sido diferente? Sim, claro, mas, na verdade, eu
apenas construiria outra sequência de problemas, a minha história seria apenas
diferente.
Então, caro leitor, aprendi que a vida nos é oferecida e deve
ser vivida com toda a intensidade, com tapas e beijos, sem deixar nada para
depois, porque a conclusão mais triste de uma pessoa contida, que não faz o que
quer, mas o que os outros querem, é chegar à velhice e descobrir que foi
omisso, acovardou-se em certas situações. Apesar de que mesmo isso, essa vida
insossa, faz parte da construção da lenda de cada um.
Por exemplo, labutei em escrever este texto. Devia? Não
devia? Escrevi, porque cronista não entrega flores, entrega textos, por isso presenteio
minha companheira com esta crônica nestes 40 anos de labuta.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário
municipal de Cultura de Araçatuba-SP
2 comentários:
O amigo Garcia levou azar.
Tivesse o viagra no tempo dele e não haveria puta triste...e o livro nao seria escrito.
Mas é isso mesmo. Viver e nao ter a vergonha de ser feliz, como ja disse o poeta
Parabéns a vocês!!! Sejam felizes e abençoados. Que a paz interior seja tão intensa quanto ao amor...vivido no dia...ou no coração!!! Abreijos. ..
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