AGENDA CULTURAL

25.9.14

História dos porões

Hélio Consolaro*

Tenho visto boas obras de arte sobre os 50 anos de ditadura militar. Nada a comemorar, mas uma reflexão a fazer para que evitemos tais extremos na política brasileira.

Como vivi tal época com certo comprometimento, sendo até preso, não gosto de me lembrar dessas coisas ruins, mas a nossa juventude está aí e necessita se apropriar do passado para que construa um futuro promissor.

Aquela geração de presos políticos ainda está presente entre nós, um deles é a presidenta da República Dilma Rousseff. Ela viveu intensamente os anos de chumbo e sabe que liberdade é um elemento essencial à vida política e cultural de um país.

Com essa bagagem, ela soube entender a rebelião de 13 de junho de 2013 e discursou na ONU:"O uso da força é incapaz de eliminar as causas profundas dos conflitos”.

Em julho de 2014, assisti ao ensaio do grupo teatral sobre a peça “História dos Porões” em São Paulo, no programa Plataforma ProaC 2014. Se o ensaio me emocionou, a apresentação, com certeza, chegaria às lágrimas.

SINOPSE: uma jovem de quarenta e poucos anos vive sozinha com o pai, um velho policial aposentado, agora com uns 80 anos e sofrendo de um câncer terminal. Esse homem foi pra ela pai e mãe. Foi carinhoso, amoroso, cuidadoso. Um pai perfeito. Ela viveu acreditando que sua mãe a tinha abandonado por motivos fúteis e por isso a odeia. Ao abrir um simbólico baú do pai após a sua morte, ela descobre a verdade: sua mãe era uma guerrilheira da VAR Palmares e ele um torturador do Dops – (Departamento de Ordem Política e Social). Foi lá, nos porões dessa “sucursal do inferno”, que eles se conheceram. Foi lá que ele a estuprou, como faziam todos os torturadores com as jovens
que lá estavam. Ele era um homem dominador e cruel e ela uma moça franzina, miúda, um pequeno graveto de olhos brilhantes que parecia cada vez mais frágil aos seus olhos o que o fazia sentir-se um homem capaz de gestos gentis e delicados. As torturas dão ao torturador poder e virilidade, mas lhe tiram a humanidade. Apesar disso, apaixonou-se!

A filha nasceu quando ela ainda estava na cadeia e ele, o pai, levou pra casa essa criança registrou-a com seu nome e cuidou dela. Após a morte do pai, a filha, chocada, descobre a verdade. Agora é preciso refletir.

Tentar conhecer essa mãe que já está morta Saber quem foi, o que pensava, o que queria. Confrontar esses dois fantasmas tão fortes, tão poderosos, tão marcantes e tentar se entender e se reinventar a partir deles. Duas pessoas estranhas: um pai que ela agora desconhece e uma mãe que ela nunca conheceu.

Duração de 60 minutos, para maiores de 16 anos, texto de Analy Álvares, direção de André Garolli, elenco: Luiz Serra, Isadora Ferrite.

Bem melhor fosse que a realidade não fornecesse inspiração para nossas tragédias teatrais.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP


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