Hélio Consolaro*
Tenho visto boas obras de arte sobre os 50 anos de ditadura
militar. Nada a comemorar, mas uma reflexão a fazer para que evitemos tais
extremos na política brasileira.
Como vivi tal época com certo comprometimento, sendo até
preso, não gosto de me lembrar dessas coisas ruins, mas a nossa juventude está
aí e necessita se apropriar do passado para que construa um futuro promissor.
Aquela geração de presos políticos ainda está presente entre
nós, um deles é a presidenta da República Dilma Rousseff. Ela viveu
intensamente os anos de chumbo e sabe que liberdade é um elemento essencial à
vida política e cultural de um país.
Com essa bagagem, ela soube entender a rebelião de 13 de
junho de 2013 e discursou na ONU:"O uso da força é incapaz de eliminar as
causas profundas dos conflitos”.
Em julho de 2014, assisti ao ensaio do grupo teatral sobre a
peça “História dos Porões” em São Paulo, no programa Plataforma ProaC 2014. Se
o ensaio me emocionou, a apresentação, com certeza, chegaria às lágrimas.
SINOPSE: uma jovem de quarenta e poucos anos vive sozinha com
o pai, um velho policial aposentado, agora com uns 80 anos e sofrendo de um
câncer terminal. Esse homem foi pra ela pai e mãe. Foi carinhoso, amoroso,
cuidadoso. Um pai perfeito. Ela viveu acreditando que sua mãe a tinha
abandonado por motivos fúteis e por isso a odeia. Ao abrir um simbólico baú do
pai após a sua morte, ela descobre a verdade: sua mãe era uma guerrilheira da
VAR Palmares e ele um torturador do Dops – (Departamento de Ordem Política e
Social). Foi lá, nos porões dessa “sucursal do inferno”, que eles se
conheceram. Foi lá que ele a estuprou, como faziam todos os torturadores com as
jovens
que lá estavam. Ele era um homem dominador e cruel e ela uma
moça franzina, miúda, um pequeno graveto de olhos brilhantes que parecia cada
vez mais frágil aos seus olhos o que o fazia sentir-se um homem capaz de gestos
gentis e delicados. As torturas dão ao torturador poder e virilidade, mas lhe
tiram a humanidade. Apesar disso, apaixonou-se!
A filha nasceu quando ela ainda estava na cadeia e ele, o
pai, levou pra casa essa criança registrou-a com seu nome e cuidou dela. Após a
morte do pai, a filha, chocada, descobre a verdade. Agora é preciso refletir.
Tentar conhecer essa mãe que já está morta Saber quem foi, o
que pensava, o que queria. Confrontar esses dois fantasmas tão fortes, tão
poderosos, tão marcantes e tentar se entender e se reinventar a partir deles.
Duas pessoas estranhas: um pai que ela agora desconhece e uma mãe que ela nunca
conheceu.
Duração de 60 minutos, para maiores de 16 anos, texto de
Analy Álvares, direção de André Garolli, elenco: Luiz Serra, Isadora Ferrite.
Bem melhor fosse que a realidade não fornecesse inspiração
para nossas tragédias teatrais.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor.
Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP
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