AGENDA CULTURAL

1.7.16

Deus age pelas beiradas

O pai do jornalista Jean Oliveira é o Seu Jeová, morador de Andradina, apreciador de meu estilo de escrever. Mal sabe ele que tem um filho que escreve melhor do que eu, o Jean. Gostei tanto da última crônica dele publicada na Folha da Região que a estou reproduzindo aqui, neste blog, com autorização do autor. Isso aqui não é um nobre portador, trata-se de uma nova mídia, pode ser que estou rebaixando o texto do jovem, mas é o que tenho para expressar minha admiração. Parabéns, Jean; por tabela, parabéns, Seu Jeová. 

Deus age pelas beiradas

Jean Oliveira*

            “Deus é paciência. O contrário é o diabo”. A frase é do personagem Riobaldo, de “Grande Sertão: Veredas”, livro de João Guimarães Rosa escrito em 1956. Nesta, e em outras passagens do livro, o sertanejo matuto explica sua visão sobre o bem e o mal. E com sua sabedoria de homem que viveu muito e aprendeu observando a vida, explica que Deus age pelas beiradas, aos poucos, fazendo sua obra, em nós, devagar e sempre.
Capa de livro

            Em certa passagem do livro, Riobaldo conta que aprendeu como Deus opera quando trabalhava em um curtume. Nesta ocasião, ele deixou uma pequena faca cair em um tonel em que o couro era preparado, mas por ser noite, deixou para pegá-la no outro dia. Só que quando voltou, a lâmina havia sido consumida quase toda pelo produto químico. Por curiosidade, a deixou lá para ver o que aconteceria. No final do dia, da faca havia sobrado apenas o cabo que era feito de chifre - por isso não fora corroído. A lâmina, nada restava.

            Nesta passagem, Riobaldo explica que “Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza”. Com isso, Ele vai lapidando as pessoas, pois como bem disse Guimarães Rosa por meio do seu personagem, “o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando.”

            Por isso tudo, a vida sempre exige que a gente tenha força e perseverança. Devemos aprender a nos desapegar do imediatismo do qual estamos acostumados. Como tudo está à beira de um clique, de uma decisão instantânea, acabamos achando que Deus tem a mesma urgência. Associamos o poder Dele ao nosso desejo de que tudo se resolva como um passe de mágica.

Devemos entender que Deus não está necessariamente preocupado com nossas demandas cotidianas. Claro que Ele nos ajuda quando procuramos seu auxílio, pois disse que abrirá sempre a porta àquele que bater. Porém, é melhor desejar que Ele faça o que é melhor para nós, no tempo Dele.

E neste sertão da nossa vida, que sem sempre é vereda, mas pode ser sempre bela paisagem, temos que nos lapidar para entender que além da areia branca, existe a árvore verde das coisas boas que resiste à seca de bons sentimentos e à falta de chuva de tranquilidade. Assim é o milagre que sempre queremos, mas nunca vemos.

Perdoem-me os leitores que não têm fé, mas como afirma Riobaldo, "como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdido no vaivém, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar - é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim dá certo. (...) Deus existe mesmo quando não há”.

*Jean Oliveira é jornalista efetivo da Prefeitura Municipal de Araçatuba-SP 

           

             

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