AGENDA CULTURAL

1.3.17

Você ainda tem medo de onça?

Hélio Consolaro*

Tenho alguns amigos que não têm uma mulher em casa, eles dormem com a onça.

"Na manhã de sábado o Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar Ambiental e Polícia Militar de Lins atenderam uma ocorrência diferente. Uma onça parda foi vista às margens do Ribeirão Campestre, na região central do município. O animal foi sedado e passou por exames. Depois foi solto em uma mata da região. A onça, fêmea, tem aproximadamente dois anos." (jornal O LIBERAL, 28/02/2017)

Pode ser que você, caro leitor, tenha ouvido a expressão "no tempo do onça", assim mesmo no masculino: "do onça". Como pode ser: "da onça". 

Até outro dia, eu achava que tal expressão se referia ao bicho, mas também encontrei outra história "Durante sete anos, entre 1725 e 1732, o Rio de Janeiro foi governado pelo capitão Luis Monteiro, homem autoritário, temperamental e retrógrado. Seu apelido popular era ONÇA. Tornou-se lendário, marcou época e até hoje quando alguém quer dizer uma coisa antiga, retrógrada, usa a expressão: "É DO TEMPO DO ONÇA" ( Dicionário Informal).

Prefiro "no tempo da onça". Na época do sertão, o ser humano tinha que entrar no compasso do tempo da onça, pois todos tinham medo dela, bicho traiçoeiro. Muitos causos corriam de boca em boca. 


O "CAUSO"
Já fiquei sem dormir no meu tempo de menino tabaréu, quando eu ouvia minha mãe contar o "causo" de que dois caçadores no meio da mata acharam uma gruta de entrada estreita. O curioso pôs a cabeça adentro para ver que havia lá e não conseguia mais tirar o cabeção.  Lá dentro havia filhotes de onça, era a toca da bicha. Outro, solidário, puxa o corpo do compadre daqui, ajeita dali. "A onça pode chegar, compadre! Se esforce" E nada de conseguir desentalar o companheiro! Até que o compadre se despediu, largou o outro lá com a bunda de fora da toca à espera da onça. Mas não abandonou o compadre,  a solidariedade foi mais forte. Voltou imitando, quebrando uns pauzinhos como se fosse o andar dela, e pulou no sujeito como um gato. O compadre esperneou tanto que ficou sem as orelhas, mas desentalou, foi salvo". A onça era mesmo um bicho temido.  

Agora, a onça perdeu o passo, é um bicho que precisa ser protegido, está em minoria. Lá em Lins, ele foi recolhido pelos bombeiros e devolvido numa mata, seu habitat, e certamente disseram para ela: 

- Não apareça mais por lá, sua porcaria!

Para quem já foi temida, o mais valentão se borrava todo ao ouvir: "Olha a onça!";   houve tempo que a onça tinha amigo, o "amigo da onça" (amigo falso),  atualmente o felídeo brasileiro não pode estar nem nos circos.


Tenho alguns amigos que não têm uma mulher em casa, eles dormem com a onça. Nem fica uma onça por isso. Esse felídeo já teve mais prestígio.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras

Um comentário:

Gabriel Araújo dos Santos disse...

Até que enfim o avistamos, o centenário jatobá, reinando majestoso, que as meninas diziam ser um castelo.
Aproximamo-nos devagar, examinando-o dos pés até às grimpas – copa -, os troncos robustos de onde saiam inúmeros e longos braços.
Sentimo-nos pequeninos diante daquele gigante, que o nosso espírito, tomado de profundo respeito, dobrou à sua singular hospitalidade.
Lá no alto, o estranho e misterioso objeto!!!
Jogamos cara e coroa para ver qual das duas seria a primeira a visualizá-lo com o binóculo.
Isabella, a felizarda.
- Quase chorou, ou chorou mesmo! Não sabia o que falar. Conforme combinado, era de um minuto o tempo para contemplá-lo.
Depois, a Natália.
- Que beleza, é mesmo, Isa, tem uma inscrição nele! K A T H E M. Tem uma falha, que não dá para ver a letra que falta.
Vencido o tempo da Natália, chegou a minha vez.
- Que nome será aquele, hem? Qual o motivo daquela inscrição?
Foi neste momento que percebemos seguidos barulhos vindos à nossa retaguarda, e depois uma espécie de rosnado já bem perto de nós.
- Cuidado, Vô! Cuidado!
As duas gritaram ao mesmo tempo, e apavoradas correram para junto de mim, como em pedido de socorro.
Ela, a onça pintada, já estava bem perto! Mas acalmei as meninas.
- Olha só quem está aqui, a minha amiga Balalaika!!!
Ela estacou, depois veio a passos lentos, a cauda e as orelhas levantadas, e como que sorrindo, andando ao meu redor, esfregava-se em mim, as meninas tremendo de medo.
- Não precisa ter medo. É minha velha amiga. Quando a encontrei pela primeira vez, filhotinho ainda, dei-lhe de mamar numas garrafas pete, e mais crescida lhe trazia tripas de frango e pelancas de carne que o Gerudes do açougue me reservava.
- E a mãe dela, não era brava? - a Isabella quis saber.
- Ela ficou órfã alguns dias depois de nascida.
- Órfã, como assim? – era a Natália.
- Uns caçadores mataram a mãe dela.
- Vô, eu achei que ela tava brava mesmo, com aquele rabo levantado e as orelhas empinadas.
- Quando um animal ergue a cauda e levanta as orelhas, esteja certa de que não vai lhe fazer nenhum mal. Se ao contrário, ou seja, se a cauda estiver entre as pernas e as orelhas bem murchas, cuidado que a coisa vai ser feia.