Eu não tenho mais a cara que eu tinhaNo espelho essa cara já não é minha Que quando eu me toquei, achei tão estranho A minha barba estava desse tamanho
Arnaldo Antunes e Nando Reis
Outro
dia me peguei observando o rosto de meu neto naquele almoço dominical de
família e lhe fiz uma pergunta:
-
Está fazendo a barba?
Como
sabe que o avô é gozador, respondeu no tom:
-
Raspando as penugens...
E
me lembrei de quando ele era bem garotinho, quando entrava no meu banheiro e eu
raspando a minha barba, eu lhe enchia o rosto de creme de barbear. Ficava
parecendo Papai Noel. Saía correndo mostrar para os demais membros da família.
Era uma folia.
Ludicamente,
ensinava-lhe a ser homem. Pais separados, o pai dele longe, morando noutra
cidade, este avô era o responsável para mergulhar o neto na masculinidade.
Ensina-se o gênero.
Nem
todos os homens possuem barba cerrada, questão genética ou étnica. Os caucasianos
são imberbes. Meu lado etrusco (talvez árabe) me deu uma barba defensável.
Afinal, os mouros invadiram a Europa.
Uma
parte deixa a barba crescer, mas assim mesmo exige cuidados, porque senão fica
parecendo um beato do sertão. No mundo masculino todos querem ter barba, embora raspe-a.
Sinal de virilidade.
No
período em que lecionei para o ensino fundamental 2 (de 5a. a 8a. série), na
sétima série havia um projeto de bigode na cara dos meninos. Nessa faixa
etária, percebia-se qual seria o gênero de cada um.
Como
eu era um professor bigodudo, fazia até uma gozação com os penugentos: aquela mudinha
que eu lhe dei, pegou, hein! Ríamos.
Fazer
a sua própria barba ultrapassa as fronteiras da higiene e da estética, invade a
psicologia e a filosofia. Muitas crônicas nasceram nessa hora. Trata-se do
encontro das duas criaturas diante do espelho. Uma conversa a dois que precisa
ser sincera.
O
envelhecimento veio chegando de forma sorrateira, sem fazer barulho,
imperceptível. Ele estava em cada raspada da lâmina, em cada vez que lava o
aparelho debaixo da torneira. Nunca me dei bem com barbeador elétrico.
O
tempo ia passando. De repente, eu me vi fazendo a barba de um velho. Já tenho
um neto repetindo o mesmo exercício existencial, como cantam Arnaldo Antunes e
Nando Reis.
3 comentários:
Agora, virou moda, andar com barba desenhada virou ostentação. Criaram uma necessidade, comércio as barber shopp , deve ser assim que escreve.
Tenho uma barba jurada com Fidel desde 1959...
Lembro que meu pai contava que um fio do bigode, era sinal de compromisso e honra.Sobre a barba , se fosse branca caracterizava papai Noel...
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