AGENDA CULTURAL

5.7.23

Fazer a barba

https://www.hypeness.com.br
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Eu não tenho mais a cara que eu tinha No espelho essa cara já não é minha Que quando eu me toquei, achei tão estranho A minha barba estava desse tamanho 

Arnaldo Antunes e Nando Reis

 

Outro dia me peguei observando o rosto de meu neto naquele almoço dominical de família e lhe fiz uma pergunta:

- Está fazendo a barba?

Como sabe que o avô é gozador, respondeu no tom:

- Raspando as penugens...

E me lembrei de quando ele era bem garotinho, quando entrava no meu banheiro e eu raspando a minha barba, eu lhe enchia o rosto de creme de barbear. Ficava parecendo Papai Noel. Saía correndo mostrar para os demais membros da família. Era uma folia. 

Ludicamente, ensinava-lhe a ser homem. Pais separados, o pai dele longe, morando noutra cidade, este avô era o responsável para mergulhar o neto na masculinidade. Ensina-se o gênero.

Nem todos os homens possuem barba cerrada, questão genética ou étnica. Os caucasianos são imberbes. Meu lado etrusco (talvez árabe) me deu uma barba defensável. Afinal, os mouros invadiram a Europa.

Uma parte deixa a barba crescer, mas assim mesmo exige cuidados, porque senão fica parecendo um beato do sertão. No mundo masculino todos querem ter barba, embora raspe-a. Sinal de virilidade.

No período em que lecionei para o ensino fundamental 2 (de 5a. a 8a. série), na sétima série havia um projeto de bigode na cara dos meninos. Nessa faixa etária, percebia-se qual seria o gênero de cada um.

Como eu era um professor bigodudo, fazia até uma gozação com os penugentos: aquela mudinha que eu lhe dei, pegou, hein! Ríamos. 

Fazer a sua própria barba ultrapassa as fronteiras da higiene e da estética, invade a psicologia e a filosofia. Muitas crônicas nasceram nessa hora. Trata-se do encontro das duas criaturas diante do espelho. Uma conversa a dois que precisa ser sincera.

O envelhecimento veio chegando de forma sorrateira, sem fazer barulho, imperceptível. Ele estava em cada raspada da lâmina, em cada vez que lava o aparelho debaixo da torneira. Nunca me dei bem com barbeador elétrico.  

O tempo ia passando. De repente, eu me vi fazendo a barba de um velho. Já tenho um neto repetindo o mesmo exercício existencial, como cantam Arnaldo Antunes e Nando Reis.     


3 comentários:

Anônimo disse...

Agora, virou moda, andar com barba desenhada virou ostentação. Criaram uma necessidade, comércio as barber shopp , deve ser assim que escreve.

Ventura Picasso disse...

Tenho uma barba jurada com Fidel desde 1959...

Anônimo disse...

Lembro que meu pai contava que um fio do bigode, era sinal de compromisso e honra.Sobre a barba , se fosse branca caracterizava papai Noel...