AGENDA CULTURAL

3.6.18

A China não é bem como me ensinaram

Marcelo Mendonça* - correspondente do Blog do Consa na China

Fotos de Marcelo Mendonça

Estou em crise. Estou confuso, triste, decepcionado. Não posso, não quero acreditar que a rede Globo tenha mentido! Durante décadas escutei o Jornal Nacional, o Fantástico, as novelas, Globo Repórter, etc, para entender a vida. Através desses programas aprendi sobre política, comportamento, moda, moral, história, o Brasil e o mundo, o bem e o mal, Deus e o Diabo na terra do sol.

Estou confuso sobre a alimentação na China. Ao chegar aqui esperava ver nos menus dos restaurantes toda uma variedade de insetos, escorpiões, e claro, a famosa carne de cachorro. É o que se ouve e lê na mídia daí, não é? Portanto deve ser verdade. Mas , para a minha total surpresa constato que nada está mais longe da realidade....

Por isso o meu choque! Tudo aquilo que ouvi sobre a comida daqui não se confirma. Não entendo, não sei o que pensar ... Jornais, revistas e TV brasileiros falsearam a verdade? Impossível . Não entra na minha cabeça.

A imensa maioria dos chineses com as quais falo do assunto acham impensável comer cachorro, por pena do animal. Algumas provaram insetos em alguma ocasião, por curiosidade, igual que eu fiz no Japão anos atrás.

O que me dizem é que em algumas regiões existem esses costumes gastronômicos, mas são fenômenos relativamente pequenos e pouco frequentes entre os jovens.

A China é enorme, 11,5% maior que o Brasil, com 7 vezes mais população e 56 grupos étnicos que levam uns 5 mil anos formando sua civilização. Ou seja, a diversidade cultural daqui é muito maior, e isso se manifesta em inúmeras formas, inclusive a culinária.

Faço aproximadamente metade das minhas refeições nos refeitórios do campus onde vivo, 200 hectares de muito verde, lagos, bicicletas e pouquíssimos carros. Nesta área há 4 edifícios nos quais se alugam espaços para empresas de alimentação. Dezenas de restaurantes oferecem suas especialidades aos 23 mil alunos e professores. Alem disso, numa rua ao lado do campus dezenas de carrinhos de lanches e pequenos restaurantes todas as noites montam uma espécie de praça de alimentação ao ar livre. Ambiente descontraído, muitas opções, mas surpreende que não se venda cerveja. Tanto ali como no campus os preços são baixos.

Dizem os antropólogos que comer é em grande medida um ato cultural. Estou de acordo. O homo sapiens, esse grande omnívoro, pode comer praticamente todos os outros animais, infinidade de vegetais, e não sobrevive sem um mineral fundamental – o sal. A escolha sobre o que se come ou não depende de fatos históricos que provavelmente se perdem na noite dos tempos.

Até agora quase tudo o que comi aqui foi muito saboroso. Que me perdoem os que pensam que "a comida brasileira é a melhor do mundo" ( juro que ouvi essa frase em Aracatuba), mas na minha modesta opinião a daqui é mais interessante.

Sabores exóticos (pouco parecidos ao da comida chinesa daí), elaborações mais complexas, moderação no sal e sobretudo no açúcar, combinações inusitadas de ingredientes, e uma variedade de pratos infinitamente maior . E eu só conheço uma pequena parte do repertório total.

Nada disso me foi mostrado no Fantástico. Será que a bússola da minha vida falseou a verdade?! Recuso-me a crer! Devo ter entendido mal aquelas reportagens .

Estou em crise existencial, deprimido talvez. Mas confesso que às vezes me entram dúvidas em noites de insônia, e começo a questionar a credibilidade da Globo e da mídia brasileira. É doloroso. Muito. É como se boa parte do meu mundo tivesse caído, pois também lembro de ter lido na Veja artigos sobre a dieta chinesa que não se confirmam.... Se descubro que a Veja distorceu fatos terei que buscar tratamento psiquiátrico!


*Marcelo Mendonça é professor universitário, atualmente mora na China. E-mail: marsprom@gmail.com

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