AGENDA CULTURAL

28.7.18

Lua de sangue: a Lua que menstrua


*Hélio Consolaro, professor, jornalista, escritor. Membros das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP e Itaperuna-RJ


A poetisa e atriz Elisa Lucinda compôs um lindo poema enaltecendo o papel da mulher em nosso processo civilizatório, ele é denominado "A Lua que menstrua". 

A notícia do eclipse de nosso satélite ocorrido ontem (27/07/2018) se chamou  "Lua de Sangue" fez me lembrar do poema da poetisa brasileira, uma Lua menstruada.

Uma lua nada romântica, nem etérea, longe dos amores platônicos, mas uma lua que sangra como uma fêmea, naturalista.

Com este texto, quero divulgar o poema, a escritora afrodescendente, porque a arte das palavras eu entendo, também escrevo; enquanto não entendo bem a realidade do espaço sideral, pois não sou astrônomo e nem tenho a cabeça nas nuvens. Na verdade, até hoje não compreendo a TPM.

Pelo caminhar da humanidade, é mais fácil um alinhamento dos corpos celestes do que um entendimento entre os terráqueos. 



Poema: Aviso da Lua que Menstrua
Elisa Lucinda

(Leia o poema, ouvindo a Lucinda declamá-lo no clipe abaixo.) 

Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita...
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos...
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente.
Ela é uma cobra de avental.
Não despreze a meditação doméstica.
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofia
cozinhando, costurando
e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
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Tá citando o princípio do mundo!


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