AGENDA CULTURAL

31.12.19

A falácia dos benefícios e regalias dos funcionários públicos - Marc Souza

Nos últimos anos, e, principalmente, em 2019, o funcionalismo público está sendo vítima de uma verdadeira caça às bruxas, sendo, sistematicamente atacado por diversos órgãos, e principalmente pela classe política, acusando-o, como o verdadeiro responsável por todo o caos financeiro instalado na administração pública.
No entanto, tais ataques, são totalmente descabidos e injustos, principalmente, no que diz respeito aos funcionários públicos de carreira, aqueles que fizeram concurso para entrar no serviço público.

As acusações de que estes funcionários possuem muitas regalias e privilégios, sendo uma dessas, a instabilidade não passam de falácias.

Logo, por que a Constituição Federal e a dos Estados instituem avaliação dos servidores durante um estágio probatório que dura cerca de três anos e, neste período, após avaliações periódicas, o servidor pode sim, ser demitido. Mesmo após este período, o servidor não pode agir ao seu bel-prazer, pois, suas tarefas e atribuições são definidas por lei e ele é obrigado a seguir toda uma hierarquia e obrigações, que são inerentes ao cargo e função que desempenha.

Portanto, é importante frisar que mesmo após o estágio probatório, este servidor pode ser demitido, após ser constatado através de processo administrativo que tenha agido com dolo ou culpa, trazendo prejuízos à administração pública ou até mesmo ao descumprir suas obrigações funcionais.

É lógico que, para isso, tem que haver um processo administrativo que constate qualquer irregularidade de natureza grave na conduta funcional do servidor, sem tal, o mesmo não pode ser demitido. Ou seja, o servidor não pode ser demitido de acordo com a conveniência do seu superior ou de seus superiores.

É importante ressaltar que tal ponto não se faz necessário para proteger somente funcionários públicos, mas para proteger a estabilidade do serviço público. Afinal não devemos esquecer que o serviço público é norteado através das decisões dos funcionários do alto escalão e que tais funcionários, em sua maioria, são de natureza política e seus cargos são comissionados e de livre nomeação por aqueles que detêm o poder, portanto, esses servidores, em sua maioria, são pessoas a serviço de quem os nomeou e não a serviço do estado.

O professor e servidor público Alexandre Prado em entrevista a Folha dirigida dá um exemplo interessante na qual justifica a necessidade de certa estabilidade ao servidor, confira:

“Vamos imaginar que um servidor público, policial federal, esteja investigando algum político, alguém com força política ou poder (dinheiro) e começa a investigar possíveis crimes, supostas fraudes ou atos ilícitos praticados por esta pessoa. Se essa pessoa tiver influencia e o policial não tiver estabilidade no serviço publico pode vir a perder o emprego.”

Esse tipo de situação pode ocorrer em qualquer âmbito do serviço público. Em uma obra superfaturada, por exemplo, ou em desvios de verbas para certos equipamentos, fraudes de caráter licitatório, dentre outras situações que podem acontecer em qualquer secretaria de serviços do governo.

Por outro lado, devemos observar que atribuir aos funcionários públicos concursados a alcunha de que estes possuem regalias e privilégios também é uma mentira escabrosa.

O funcionário público comum, não tem privilégios. Note-se que a maioria das pessoas, por desconhecimento, e a classe política quando falam em privilégios dos servidores públicos nunca citam quais são. 

Eles falam sobre privilégios e regalias e ponto final, não separando o joio do trigo.
Não dá para negar que existem vários cargos públicos que possuem supersalários e privilégios inimagináveis a cidadãos comuns, mas colocar todos os funcionários no mesmo pacote é um desrespeito para com os trabalhadores comuns. Afinal, a grande maioria vive aquém das mordomias e privilégios que alguns poucos possuem.

Na linha dos supersalários e privilegiados estão membros da primeira classe do judiciário, magistrados e procuradores de Justiça que além de salários altíssimos para os padrões do país ainda possuem uma enormidade de benefícios, como auxilio moradia, mesmo se tiverem residência própria, um luxo muito distante ao servidor comum. Tal categoria ainda tem cargo vitalício e em caso de constatada irregularidades no exercício de suas funções, são raríssimos os casos de demissão, pois a grande maioria, é aposentada compulsoriamente, causando mais prejuízos à administração pública. 

Em um estudo realizado em 2018, foi constatado que em 10 anos somente cinco magistrados haviam sido demitidos.
Os militares (não os policiais) também não ficam muito longe disso, além de salários altos, aposentadoria precoce em comparação com as demais carreiras tanto públicas quanto privadas, tais ainda possuem pensões vitalícias que passam de pai para filha causando grande rombo nas contas públicas. Para se ter uma idéia, em 2016, para cada um real gasto com os militares oitenta centavos eram gastos com os beneficiários de pensões.
Não devemos esquecer também da classe política, essa que tanto joga a culpa nos funcionários públicos de carreira sobre o rombo das contas públicas.

Os políticos brasileiros, além de supersalários, tem benefícios e regalias de reis e marajás, auxílios em cima auxílios, carros oficiais, cartões corporativas, uma infinidade de assessores e cargos em comissão para indicarem seus afiliados políticos.

Uma infinidade de benefícios e regalias que causam graves prejuízos aos cofres públicos. São verbas indenizatórias, verbas de gabinetes, apartamentos funcionais, passagens aéreas, auxílios mudanças, assistência médica vitalícia, aposentadoria especial e acima do regime geral.

Outro fator a ser observado, quanto ao descalabro acerca dos gastos da classe política, é o uso exorbitante de carros oficiais. Afinal, além do presidente e vice-presidente e ministros de estado, só no executivo, mais de 100 servidores têm direito a essa benesse. Se computarmos o Legislativo, o Tribunal de Contas da União onde todos os senadores e ministros usufruem de carros oficiais e o Judiciário e Ministério Público a um crescimento exponencial deste beneficio. Isso sem contar com os estados e municípios que as regalias seguem no mesmo ritmo, sem qualquer observância quanto a responsabilidade e peso destes gastos na administração pública.

Há também o caso dos servidores dos cargos em comissão, aqueles servidores nomeados por serem de confiança dos políticos, a maioria, cargos do alto escalão administrativo, e, consequentemente, com altos salários e inúmeros benefícios e regalias aos quais os funcionários de carreira não estão sujeitos. 

Cargos indicados por políticos que prejudicam diretamente a eficiência do serviço público, pois diferentemente dos servidores concursados, para a contratação destes servidores não são observadas as qualificações necessárias para o exercício da função. Ou seja, um cargo que a pessoa esta lá não por ser qualificada para tal, mas por apadrinhamento político. Cargos que, além de não render o esperado diante da falta de qualificação do servidor, também segundo estudos realizados, podem facilitar casos de corrupção na administração pública.

Diante de tudo o que foi exposto fica evidente que não é o funcionário público comum que causa grave danos aos cofres públicos. Não é aquele servidor que atende o cidadão no centro médico ou em outros órgãos governamentais, eles são somente os bodes expiatórios escolhidos para levarem a culpa pelo caos administrativo que assola o país.

Caos administrativo criado única e exclusivamente por aqueles que não têm a intenção alguma de acabar com os benefícios e regalias dos verdadeiros beneficiários, seja por fazerem parte destes ou por sucumbirem a pressões das categorias verdadeiramente beneficiadas.

*Marc Souza é escritor e funcionário público concursado

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