AGENDA CULTURAL

11.9.25

Sarapatel requentado – 18º. livro


Hélio Consolaro*

Eu estava com saudades do sarapatel. Buchada de bode. Aprendi a comê-los em Rosana-SP, onde comecei o magistério, 1972. Chico Coveiro era o mestre da iguaria na cozinha de sua humilde residência.

Rosana era um loteamento rural da Camargo Corrêa (grande construtora) no Pontal do Paranapanema, cujos sítios foram vendidos no Nordeste brasileiro. Na precariedade, aprendi a ser professor e amar o povo nordestino. O nome Rosana foi escolhido para homenagear uma filha de um dos proprietários da empresa. 

Eu morei por seis anos em Rosana, um distrito de Teodoro Sampaio-SP, a 200 km de Presidente Prudente. Nele, as escolas eram de madeira, água de poço, energia elétrica só à noite, gerador mecânico. Geladeira de gás ou querosene. O tira-gosto de cerveja fresca era pão com sardinha em lata.

A partir de Rosana, compreendi melhor romances como O Quinze (Raquel de Queirós, Vidas Secas (Graciliano Ramos), Fogo Morto (José Lins do Rego), A bagaceira (José Américo de Almeida). Os personagens viviam no meu dia a dia.  

Atualmente, Rosana não é mais aquela. Tornou-se município, em anexo está Porto Primavera, duas faculdades da Unesp. Mais de 15 mil habitantes.

Volto a Araçatuba e minha intimidade com as letras   levou-me à Academia Araçatubense de Letras. E lá encontrei Dr. Geraldo da Costa e Silva, médico pediatra (fundador da entidade) e secretário de Saúde nos meus anos de vereador.

O tempo voou. Estamos velhos, mas coincidentemente, não desistimos da vida, a velhice não nos assombra. Que venha!

O normal é o cronista levar suas crônicas publicadas em jornais e revistas para os livros, mas Pratinha (apelido entre os amigos de faculdade que restaram depois dos 80 anos de idade), ia direto para os livros: “Jornal queria mandar nos textos da gente”. Hoje nem tem mais jornal de papel.

Nos tempos áureos, os lançamentos de livros do Dr. Geraldo eram realizados no Hotel Plaza Mariá, Araçatuba, uma festa farta, um reencontro da turma do Curso de Medicina.  Já “Sarapatel requentado”  (18º. livro do autor) terá lançamento numa segunda-feira, 15/09/2025, das 19h às 22h, na biblioteca municipal Rubens do Amaral, rua Armando Salles de Oliveira, 274. Data significativa para o autor. Seu pai, se fosse vivo,  completaria 115 anos.

Por que livro com título nordestino? A idade amolece o coração. Então, a professora Cacilda, mulher do Geraldo, foi para o Ceará, levada pelas mãos de uma empregada. E lá encontrou um assentamento ajudado pelo padre Francisco. Conheceram o Nordeste pelo coração. Então, o dinheiro arrecadado pelo livro será destinado àquele povo sofrido. Cada livro vai custar R$60,00. Compareça. Segundo o autor, já está escrevendo o 19º. livro. O cara gosta e tem competência.

Se quiser comprar o livro diretamente: 18 99732-4235 (zap). Pix: 705 241 498-87 – CPF.      

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba, Andradina, Penápolis e Itaperuna-RJ

9.9.25

MEMÓRIA: Quem não é visto, não é lembrado - José Cícero

 

Em maio de 2025, eu e a repórter Bianca Muniz estivemos no Museu da Imigração, em Santa Bárbara D`Oeste, cidade do interior de São Paulo, a 140 km da capital paulista. Fomos à região apurar informações para uma reportagem sobre a exaltação da migração vinda dos EUA e o apagamento da história da população negra local. A matéria integra o Projeto Escravizadores e foi publicada em nosso site recentemente. 

Logo na entrada do museu, chamava atenção o destaque dado à colonização americana na região. Tudo documentado em textos e imagens: a chegada dos colonizadores, as primeiras igrejas, as atividades femininas, o impacto dos americanos no sistema educacional brasileiro, a alimentação, os utensílios domésticos utilizados à época. Havia fotos dos trajes, famílias, festas, da cidade, ruas, prédios públicos e até dos confederados perfilados. Mas, entre tantos registros, nenhuma menção sobre à história dos negros. 

Ao circularmos pela cidade, encontramos símbolos, memórias e ruas que levam sobrenomes de famílias americanas. Imagens cotidianas que reforçam a presença  — e a suposta importância — dos colonizadores, mas silenciam sobre a participação negra na construção da cidade. 

Em julho, fui a Americana. Além dos mesmos elementos presentes na vizinha Santa Bárbara D`Oeste, o que me chamou a atenção foi a ausência de negros circulando pela cidade. Essa impressão poderia ser explicada pelo pouco tempo em que estive ali, mas a sensação ganhou contornos mais profundos quando conversei com Silvia Motta, mulher negra, ativista  e moradora da região há décadas. Em uma conversa despretensiosa, ela sintetizou a relação da população negra com o município: “Em Americana, se você for nos bairros periféricos, vai ver a nossa população ainda lutando pela sobrevivência. Lá está a cultura afro, lá está a capoeira, lá está o Rap. As periferias são os novos quilombos. Mas nós podemos estar em qualquer lugar”. 

O encontro aconteceu no Centro de Memória Afroamericanese “Dinyzio de Campos”. Mais que um espaço dedicado à preservação da história da população negra —  em uma região que foi a última do país a abolir o regime escravocrata, mas que ainda perpetuou com a escravidão por decádas —, o centro é uma resposta direta à tentativa de apagamento da existência dos negros escravizados e, posteriomente, libertos.

Hoje, há um esforço conjunto da sociedade civil e da academia em resgatar as histórias de negros que contribuiram para a construção da região. Foi nesse movimento que pesquisadores encontraram uma foto datada por volta de 1918, feita próxima à estação ferroviária, no centro de Americana. A imagem mostra Dionyzio de Campos — que dá nome ao Centro Cultural —, encostado em um poste,  carregando uma cesta no braço esquerdo, descalço. Mesmo 30 anos após a abolição, sua postura e aparência remetem à condição de pessoas escravizadas.

A fotografia despertou ainda mais o interesse pela memória silenciada. Como as histórias eram contadas — e raramente registradas — pelos colonizadores, pouco se sabe sobre a vida de Dionyzio. 

Um documento exposto no Centro de Memória traz um breve registro: segundo o texto, ele teria nascido na África por volta de 1848, onde foi escravizado e  trocado por uma caneca de ferro. Chegou ao Brasil com pouco mais de sete anos e foi comprado por um fazendeiro. 

Quem observa sua única fotografia com distração, talvez não perceba: Dionyzio não tinha o braço direito. De acordo com relato do doador da foto, Pedro Bertine – o autor permanece desconhecido –, ele perdeu o membro após cair de uma árvore. A cesta que carrega no braço esquerdo servia para transportar carretéis de linha, retalhos e pequenos objetos para o senhor a quem continuava prestando serviços, sem remuneração, mesmo após a Lei Áurea. 

Esse registro fotográfico é um documento incontornável: desmonta o discurso de que negros não foram escravizados durante a imigração e a colonização em Americana – argumento ainda defendido por descendentes dos escravizadores. Mais que uma prova histórica, a imagem fortalece a resistência da população negra local contra o apagamento da sua existência, sistematicamente negada por uma história que insiste em privilegiar apenas o recorte conveniente a quem dominava e controlava a narrativa. 

Um abraço,

José Cícero
Editor de fotos e vídeos

8.9.25

Burrice da ultradireita


 Na tarde deste domingo (7/9), Dia da Independência do Brasil, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) promovem um ato na avenida Paulista, São Paulo.

A ultradireita apropriou-se dos símbolos nacionais como fossem seus. Foram rechaçados nas urnas, agora estão pedindo proteção por outro direitista porra louca, Trump. Chegando ao cúmulo de estender a bandeira norte-americana num ato de comemoração da Independência do Brasil. Estava parecendo 4 de julho.
Com tanta burrice, vão perder a eleição de novo em 2026 e novamente vão dizer que foram roubados. CONSA

O passado pode ter sentido - Marcos Francisco Alves

Esses dias últimos não estão fáceis. Morreu Luis Fernando Veríssimo, gigante nas sínteses, professor das palavras. Em seguida, Jaguar, professor do humor cortante. Silvio Tendler, cineasta  da nossa história, professor do que é o Brasil.  Ai vai  Péricles  de Souza, baiano, quadro do PCdoB, professor de Política. Agora, perdemos o Kazuo Sugayama, professor de Química. 

Fui seu aluno no antigo IE, onde fiz o científico, final da década de 60, antes de embarcar para Sampa. Muito que ainda lembro da Química, aprendi com ele, em aulas divertias mas cheias de reverência  com o conhecimento que nos contagiava . Não vulgarizava os conteúdos. Exigia disciplina e atenção enquanto ensinava. Anos depois, também professor, sempre me referenciava nele e em outros/as que encaravam os conhecimentos com rigor. Naquela época, e não sou saudosista, os tempos também mudaram, professor entrava  em sala para ensinar e, nós alunos, para aprender. Pedagogia diretiva. 

Hoje, temos falta desses antigos/as professores/as. Com as devidas exceções de sempre, com cumplicidade de pedagogia duvidosas, de currículos sem sentido onde os conhecimentos  são vulgarizados, onde imperam as tais  plataformas digitais que exigem obtenção de metas definidas pelo órgão central onde impera o tal do “ Não bateu a meta, tchau” , escolas desestruturadas, profissionais mal pagos etc. Precisamos formá-los novamente.

Sim, caras pálidas de todas as cores e gêneros: precisamos retomar a formação de profissionais de educação em faculdades e  universidades de qualidade, onde as ciências são tratadas com as deferências próprias de cada uma. Ensino a distância: forma o quê? Pior, em instituições  que transformaram o ensino em mercadoria  e o que importa  é apenas o lucro. A função da escola é garantir a apropriação dos conhecimentos científicos, artísticos, filosófico etc. A escola pública tem compromissos históricos que contradizem os do neoliberalismo, é espaço de luta de classes, por isso o seu desmonte, com pedagogias das vivências, centralidade no cotidiano, mal estruturadas, currículos fragmentados...

 Sim, caras pálidas, precisamos dar uma olhada para trás e constatar como eram professores/as, sem qualquer conotação ideológica, como o Kazuo Sugayama e tantos/as que foram professores/as na arte de transformar pessoas, através da apropriação de conhecimentos. E através deles/as, com seus ensinamentos, possibilitaram resistências Brasil afora, formaram grandes lideranças políticas, quadros partidários. Aqui a grande razão para  o controle e sucateamento do Ensino público: para que formar bons quadros do magistério? Porque pagar bem a esse pessoal, se, de uma forma  ou outra, eles/as checarão  estruturas políticas  ultrapassadas, repressivas e passíveis de serem destruídas? Para quê escolas que ensinam?

Encerro essa homenagem ao prof. Kazuo Sugayama e a tantos outros/as, que, às vezes, mesmo não sabendo, cumpriram os escritos de Eric Hobsbawm, no livro Sobre Historia, pág.21, quando ele começou a lecionar:

“As pessoas em função das quais você está lá, não são estudantes brilhantes como você. São estudantes comuns, com opiniões maçantes, que obtém graus medíocres na faixa inferior das notas baixas, e cuja respostas nos exames são quase todas iguais. Os que obtém notas melhores cuidarão de si mesmos, ainda que seja para eles que você gostará de ensinar. Os outros são os únicos que precisam de você.”

Professor Kazuo, presente.

Marcos Francisco Alves, professor de Química

Araçatuba,07/09/2025

7.9.25

PERFIL: Dra. Ingrid Consolaro

A professora Dra. Ingrid A. O. Consolaro é cirurgiã bucomaxilofacilal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), desde 2008, e atua em diversos hospitais de São Luís pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como o Hospital do Câncer do Maranhão; Hospital do Câncer Alenadora Bello; Hospital Infantil Dr. Juvêncio Matos e o hospital alta complexidade Dr. Carlos Macieira; e nos hospitais particulares, na área de deformidades faciais (fissura labiopalatina e cirurgia ortognática), de patologias benignas e nas reconstruções e pós-ressecções de tumores malignos.


Possui mestrado e doutorado ela Universidade de São Paulo (USP) - campus Bauru, onde, em 2013, após atender a muitos pacientes do Maranhão que viajavam para lá para se tratar - realidade que durou muitos anos - resolveu montar o Serviço de Deformidades Craniofacial, composto por uma equipe transdisciplinar, formada por bucomaxilo, cirurgião plástico, ortodontista, odontopediatra, pediatra, nutricionista e fonoaudiólogo. O Serviço atende tanto pelo SUS quanto particular e tem como objetivo devolver aos pacientes e famílias uma nova vida com novos sorrisos.


Ela é casa com o Dr. Alberto Consolaro.


3.9.25

Cidadão do mundo lusófono

Hélio Consolaro*

Em Araçatuba, temos vários cidadãos portugueses. Além de eu torcer para um time que tem um técnico de mesma nacionalidade. Gente teimosa, mas gente boa. Ele e sua esposa (que é brasileira, a Vera) chegaram ao Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras devagarinho, hoje já tomaram conta de nossos corações. Quando faltam às reuniões, todos perguntam: "Cadê os dois?".

Quando se abriram as inscrições para ocupar a cadeira 16, vaga na Academia Araçatubense de Letras, da qual o Grupo Experimental é parte, fiz-lhe o convite:

- Inscreva-se! Se me couber função tão nobre, serei seu padrinho... O patrono da cadeira é bom! Érico Veríssimo!

Cidadão do mundo lusófono porque morou em três países que falam o português: Portugal, onde nasceu; Angola e Brasil. Manuel Pina foi funcionário de companhia aérea. É um sujeito voado. 

Manuel Pina nasceu em Moimenta da Beira, Portugal, e aos três anos, mudou-se para Luana, Angola. A guerra o trouxe de volta a Portugal, onde serviu na Força  Aérea e trabalhou 30 anos na Varig. Aposentado, dedicou-se à pintura e à escrita, paixão desde a adolescência.

Manuel Pina (nome literário); Manuel Orlando da Silva Pina (nome completo) aceitou o desafio. Houve uma discussão entre os acadêmicos que foi superada: não é brasileiro, é português que mora em Araçatuba. Como já cantou Manuel Bandeira, Portugal é nosso avozinho. Somos dois países, mas um só mundo falando o mesmo idioma. Ele foi aprovado.

Publicou “O Cosmos, o Homem e a Evolução”, "Caminhar do Eu”, “João Belo” (Portugal) e o “O Império do Ocidente” (Brasil), “A alma das Casas” (poesia). Estes últimos disponíveis na Amazon .  Sua vida de reinvenções inspira sensibilidade sua poesia e arte. 

ONDE SE FALA O PORTUGUÊS


EXEMPLO DE TEXTO DE MANUEL PINA

A alma das casas

 

A casa não te contém,

És tu que conténs a casa.

Tu és a casa!

Ela reflete o que és.

Uma casa abandonada

É uma tristeza,

Os vidros quebram,

As paredes estalam,

O lixo se acumula,

Os ratos invadem,

Os fantasmas a habitam.

Rapidamente fenece,

Vira apenas escombros,

Imagens fugazes

De momentos felizes

Que um dia testemunhou.

Apenas breves lembranças

Do amor que ali cresceu,

Na alegria dos risos,

No penhor das lágrimas,

De tudo o que aconteceu.

Não queiras saber

O que se passou,

Talvez a alma cansada

Que um dia acreditou,

Que a vida é mais importante

De tudo o que conquistou.

Que afinal a alma das casas

É apenas a alma da gente.

Não importa se a casa é pobre,

Ou uma grande e bela mansão,

Ela vai sempre mostrar

O que temos no coração.

Dia 21 de novembro será a sua posse, 20h, no auditório da UniToledo. As letras de Araçatuba contam com sua presença.

*Helio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Acadêmico da AAL . 

27.8.25

Semana da pátria: o Brasil é dos brasileiros

Presidente Lula e governador Tarcísio Freitas
 

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

A vida é como um rio, conforme as águas vão passando, ela incorpora novas ideias, às vezes nem tão novas. Quando entrei no magistério, em plena ditadura militar, havia a Semana da Pátria: Brasil, ame-o ou deixe-o. Hinos e lacinhos verde-amarelos. Dom e Ravel cantando suas composições carregadas de patriotadas.

Não concordávamos com aquilo, pois os militares a mando dos Estados Unidos fazia o jogo da guerra fria: combater o comunismo, mas obedecíamos. Ordem era ordem, mesmo sob o ranger de dentes. 

Havia as disciplinas de Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política Brasileira (OSPB). Professoras e professores que lecionavam esses conteúdos eram olhados de viés pelos outros.  

O tri obtido pela Seleção Brasileiro no México ajudou o nacionalismo de fachada. O general Emílio Garrastazu Médici, presidente entre 1969-1974 foi ao estádio assistir ao jogo de futebol. Enquanto no Brasil havia  prisões, mortes e o milagre brasileiro.    

Como vereador de Araçatuba participei da Campanha das Diretas: Eu quero votar para presidente. Em 1982, com voto vinculado, elegemos os governadores; em 1989, para presidente da República. E assim fomos amadurecendo a nossa democracia.

Até que surgiu Luís Inácio Lula da Silva, que segundo os estrategistas, era um sonho de Golbery do Couto e Silva a criação do PT. E Lula está em seu terceiro mandato como presidente da República. O metalúrgico navega bem nos mares da política.

Como Lula, que não é comunista no sentido tradicional, mas luta pela inclusão social, começou a afrontar os interesses da elite econômica do Brasil, inventaram o Jair Bolsonaro com o nacionalismo de fachada, retornamos a 1964, com os interesses norte-americanos à flor da pele. Até cair a máscara, sendo Donald Trump o protetor do bolsonarismo.

O slogan "O Brasil é dos brasileiros" encabeça a retomada do nacionalismo com Lula, pois percebeu que Eduardo Bolsonaro e seu pai, e toda a tropa bolsonarista estavam desgastados com seu falso patriotismo.

"O Brasil é dos brasileiros" é a frase escrita no boné de Lula, Trump que cuide dos Estados Unidos sem prejudicar o nosso país, não venha usar os bolsonaristas como preposto de seus interesses dentro do Brasil. 

Ligeiramente, o presidente Lula tomou o nacionalismo e o patriotismo para seu governo. Aqui sim temos democracia. A estátua da liberdade precisa mudar de lugar.       

25.8.25

Namorar na praça

A cantina da praça João Pessoa 
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

A praça João Pessoa, assim denominada quando foi construída, sempre foi um entorno da caixa d' água que servia o núcleo urbano de Araçatuba, que não era grande. Nos escurinhos de seus bancos, namorei muito por lá em minha juventude.

Pelos nomes dos lugares públicos, conhece-se a história da cidade. A praça João Pessoa é vizinha da Getúlio Vargas, participantes da Revolução de 1930.  

No ano de 2000, quando o Brasil comemorou 500 anos e Germínia Venturolli fazia uma administração pífia, o professor de inglês Artur Lopes aproveitou o vazio de poder e encabeçou um movimento com participação da iniciativa privada numa remodelação da praça, chamando-a a de Praça dos 500 anos. A partir daí, ela se transformou numa praça cultural.

Fez parte da remodelação da praça a construção de uma bonita cantina que fora entregue à exploração de alguém sem a prefeitura fazer licitação. A presença do comércio na praça era ilegal.

Era uma prática do clientelismo da política de distribuir a exploração dos espaços públicos a parentes e compadres de vereadores e prefeitos.

Em 2009, com Cido Sério (PT) assumindo a prefeitura, me nomeando como secretário de Cultura, a praça João Pessoa (500 anos) passou para a minha jurisdição.     

O promotor público Albino Ferragini me chamou em seu gabinete para uma conversa. Ele queria saber por qual motivo eu não expulsava os comerciantes ocupantes de lugares públicos.

Respondi-lhe: "Como a ocupação do espaço foi política, não há força que faça isso. Quem tem força para isso é o senhor que é promotor público, que não pôs ninguém". Declarou que veria isso, quando fiquei sabendo, a lei estava imperando. O promotor agiu. Foi recurso daqui, recurso dali, parece que a situação se regularizou.

O Paulo, que tocava a cantina da praça foi avisado por mim: vá ajeitando um outro lugar, porque a sua saída daqui será iminente. Quem está mexendo é a Promotoria. Ele me dizia que tinha costas quentes. 

A cantina foi demolida, e logo em seguida Paulo morreu de desgosto num banco da praça. Parou a bicicleta, passando pela rua que circunda o local, sentou-se e teve um infarto. 

Atualmente, após uma reforma da iluminação pública, feita por Dilador Borges (PSD) a praça retornou à sua vocação cultural. A Vanessa Manarelli, nova secretária de Cultura, é dinâmica. O palco se chama Tom Jobim. Mas lá está faltando ela, a cantina. Precisava derrubar? Apenas fazer licitação.

Da praça, conheci muitos amigos, nela fiz boas crônicas, levei muitos artistas forâneos, enquanto fui secretário muitos espetáculos artísticos foram apresentados. E também perturbei muito a vizinhança com o barulho.    

A PARTE BOA

Araçatuba é interior, não é litorânea, mas a praça João Pessoa era minha Itapuã. Trabalhei muito nos eventos culturais, mas quando eles não eram da prefeitura, reunia amigos para rir e tomar uma cervejinha. A saudosa Helena (a Japa),como na foto, quase sempre estava comigo. 

Agora vou lá com a Fátima, acompanhado de uma caixa térmica carregada de cerveja. Sentados em nossas cadeiras na última fila dos bancos da plateia. A vida continua, e feliz, a velhice é uma bênção de Deus. Continuo namorando na praça João Pessoa, agora, bem iluminada. 

   

20.8.25

Dia do Esquerdo - 13 de agosto

Cena do filme Tempos Modernos,
de Charles Chaplin 
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP 

O Dia Internacional dos Canhotos é celebrado em 13 de agosto desde 1976, criado pelo britânico Dean R. Campbell, fundador do Left-Handers Club. A data valoriza essa minoria — cerca de 7% a 10% da população mundial e conscientiza sobre os desafios que enfrenta em um mundo projetado principalmente para destros (usa a mão direita)REVISTA VEJA 

Um sujeito da esquerda escrevendo sobre o Dia do Esquerdo. Parece brincadeira. Não sou neutro, não existe a neutralidade, procuro não ser um manipulador. Ser neutro parece uma covardia, beneficia a posição vencedora.  

Quando foi criado o Dia do Esquerdo em 1976 ainda não existia o PT e agosto já era mês do cachorro louco no Brasil. Neste ano, não caiu na sexta-feira. Não há nenhuma insinuação.

Dizem os estudiosos que ser esquerdo ou destro se define no útero da mãe. O feto que chupou o dedo esquerdo, certamente será canhoto. Uma maioria significativa chupou o dedo direito. 

Essas explicações lógicas vieram com a ciência. As preconceituosas são da Idade Média, quem nascia canhoto tinha parte com o demônio, feitiçaria. Os bons ficavam à direita de Deus. 

Crianças que não eram destras apanhavam até mudarem de mão. Quantas crianças sofriam violência com a professora alfabetizadora porque eram canhotas. Hoje se respeita a individualidade de cada um. 

Na política, a expressão "esquerda" surgiu durante a Revolução Francesa, especificamente na Assembleia Nacional Constituinte em 1789. Era uma questão de espaço físico.  Os favoráveis à república (revolucionários) sentavam-se à esquerda na assembleia e os partidários da monarquia, à direita. 

Canhotinho (Milton Medeiros) no futebol jogou no Palmeiras, foi ponta-esquerda. Não sei se o feto também chupa o dedo do pé da esquerda. Atualmente o mercado vende instrumentos para os esquerdos, sem preconceito.  

Com o tempo, o significado desses termos evoluiu, associando-se a diferentes ideologias políticas. Na esquerda, surgiram ideias como o socialismo, o comunismo e o progressismo, com foco em igualdade social, justiça, direitos trabalhistas e a ampliação do papel do Estado na economia e na proteção social. A direita passou a ser associada ao conservadorismo, ao liberalismo econômico, à defesa da propriedade privada e a um menor intervencionismo estatal. (IA)  

Na política, o senso de lateralidade não é espacial, é ideológico. A esquerda prega que a pessoa viva e deixe o outra viver também. A direita quer tudo para si, por isso dizem por aí, há até em livro publicado, que é estranho ter pobre de direita. 

14.8.25

Eu sou um Hamlet - teatro no Sesc Birigui - Rodrigo França

 Dirigida por Fernando Philbert, a peça explora as relações humanas e as condições da existência, trazendo a visão e os questionamentos de um homem negro sobre a realidade. O espetáculo recebeu indicações aos prêmios Shell

(Música) e Cenym (Monólogo e Texto Adaptado).

Rodrigo França em Eu sou um Hamlet
Foto Márcio Farias

“O Hamlet de Shakespeare quer vingança; no Brasil, os diversos ‘Hamlets’ só querem justiça. Imagina se quisessem vingança?” Rodrigo França, ator de Eu sou um Hamlet

Após uma temporada no Rio de Janeiro e São Paulo, o monólogo;Eu sou um Hamlet; se apresenta no Sesc Birigui, trazendo Rodrigo França no papel do icônico personagem de Shakespeare. O ator sobre ao palco do Teatro Sesc Birigui no dia 21 de agosto de 2025, quinta, às 20h. Sob a direção de Fernando Philbert, o espetáculo oferece uma releitura contemporânea da obra do bardo, com tradução assinada por Aderbal Freire-Filho, Wagner Moura e Barbara Harrington. A adaptação, fruto da colaboração criativa entre Jonathan Raymundo, Fernando Philbert e Rodrigo França, reforça a parceria dos dois últimos, já consagrada na montagem de Contos Negreiros.

Os ingressos custam de R$15 a R$50 e já estão disponíveis para venda nas bilheterias do Sesc Birigui e do Sesc em Araçatuba, além do Portal e Aplicativo Credencial Sesc SP.

A montagem utiliza as falas de Hamlet para refletir sobre um mundo violento e segregado, lançando luz sobre as questões da sociedade atual e a condição de humanidade de um homem negro no Brasil. Ao incorporar um ator negro, a peça amplia os dilemas do clássico, trazendo a consciência da realidade ao personagem.

Este Hamlet questiona o mito da democracia racial e enfrenta o desafio de criar um discurso que provoque reflexão sobre o presente. Rodrigo França, ao assumir o papel, reflete sobre o impacto da tragédia colonial na identidade do homem negro, forçado a lidar com uma humanidade fragmentada e constantemente questionada.

Como sobreviver à consciência de uma condição vulnerável, em um sistema que marginaliza e estigmatiza? Como não ceder ao desespero? A peça busca respostas nos ancestrais, iluminando um coração em luta contra uma cultura opressora.

Queríamos um Hamlet que abordasse o racismo e o dilema do homem comum em uma sociedade que ameaça direitos e liberdades. Nosso Hamlet reflete sobre a tensão do mundo e busca entender como chegamos aqui. A peça coloca o ser humano no centro do pensamento, mostrando como enfrentar um sistema que oprime negros, LGBTs, pobres e quem luta por justiça. Em cena, Rodrigo enfrenta essa batalha solitária, mas encontra coragem nas vozes dos ancestrais para desafiar as regras, explica Philbert.

Para Rodrigo, estar à frente desta montagem é significativo, sobretudo por mostrar que artistas negros podem interpretar qualquer personagem. Ele destaca que interpretar um texto como esse, que reflete o ser humano, traz um impacto único ao ser incorporado por um ator negro. A peça, embora respeite a obra de Shakespeare, explora novos territórios ainda não revelados, mostrando que amor, ódio, fúria e vingança são universais, mas suas expressões variam conforme a subjetividade de cada grupo. Essas emoções são naturais, mas a forma como são vivenciadas é construída socialmente. Nesse contexto, um homem negro buscando descobrir quem matou seu amado pai adquire outra dimensão.

Para o ator, que divide seu tempo ainda como diretor, debatedor, filósofo, autor e escritor, a população negra ainda está em busca de ser humanizada no Brasil. “Só é tratado como humano aqueles que têm dignidade em suas estruturas. Estamos longe de uma equidade para existir uma reparação de nossas mazelas causadas pela escravização. Contextualizando ‘Hamlet’, os nossos fantasmas (ancestrais) ainda clamam. O Hamlet de Shakespeare quer vingança; no Brasil, os diversos ‘Hamlets’ só querem justiça. Imagina se quisessem vingança? Não posso dispersar, pois os meninos estão morrendo lá fora. E temos muito o que fazer”, finaliza Rodrigo França. 

SINOPSE

A montagem, ao empregar as falas de Hamlet, funciona como um espelho da nossa sociedade violenta e segregada.

A partir da perspectiva de um ator negro, a peça provoca reflexões profundas sobre as relações humanas, a condição do homem negro no Brasil e a busca por identidade. Ao fazer isso, a obra amplia os dilemas clássicos de Shakespeare, convidando o público a questionar sua própria humanidade em um mundo marcado por desigualdades.

FICHA TÉCNICA

Dramaturgia: utilizando as falas de Hamlet, a montagem coloca um espelho diante do mundo e reflete este tempo violento e pleno de segregações. Assim, nos evoca questionamentos acerca da sociedade de hoje, das relações humanas e da sua própria condição de humanidade enquanto homem negro no Brasil em sua jornada de autoconhecimento. Uma das primeiras dramaturgias do ocidente que busca refletir a humanidade, a peça amplia os seus dilemas a partir de um ator negro em sua encenação. 

A proposta é trazer essa consciência da realidade ao personagem. Ser ou não ser? Estar consciente ou não?

13.8.25

A xícara trincada - Pedro Trajano

Quatro e pouco. Acordo antes da cidade.

A luz da cozinha acende, o cursor do notebook pisca,

o Word em branco pede versos.

Às vezes, a pia ainda carrega lembranças do jantar de ontem:

três pratos, alguns talheres — e um silêncio que respinga.


Às dez para cinco, colho couve e ora-pro-nóbis no quintal.

Faço um suco verde e entrego um copo à minha esposa.

Ela sai pra caminhar.

Eu fico — e acordo nossa filha ao som de K-pop.


O café da manhã segue um ritual: crepioca, ovos, frutas.

A liturgia do dia toca de um aplicativo.

Enquanto comemos, falamos de contas, de planos,

da vida que caminha — e também rimos.


Levo as duas: uma para aprender, outra para ensinar.

Escolas diferentes, mas o mesmo cheiro de giz.


Volto. Molho a horta. Reviso a agenda.

Olho prazos, penso nos clientes.

Se der tempo, escrevo.

A poesia ainda não me paga — mas sustenta a alma.

Às oito, saio de casa para conquistar o meu dia.


Minha rotina não é prisão — é afeto encadeado.


Entre um afazer e outro, penso:

a vida, às vezes, é como aquela xícara trincada no armário.

A que ninguém escolhe pra visita.

Mas é nela que o café parece estar mais quente.


Nas redes sociais, o mundo vive em festa:

quase uma orgia de dopamina.

Gente em praias, brindando ao pôr do sol.

Carros caros. Filhos prodígios. Casamentos filtrados.


Mas isso é só o que se mostra.

A maioria vive como a gente:

entre o despertador e o dia lá fora,

entre boletos e pequenos milagres.

Só que isso — quase ninguém curte.


A armadilha é tomar o recorte pela realidade inteira.

E esquecer que o extraordinário — quase sempre — se disfarça no comum.


A vida simples não se exibe.

Ela sussurra.

Talvez por isso não se poste:

porque o essencial não se posta — vive.


*PEDRO TRAJANO - poeta de Penápolis-SP, 
membro da Academia Penapole
nse de Letras