AGENDA CULTURAL

25.8.06

Dependente da solidão

Hélio Consolaro

Muitas pessoas gostaram da crônica “Saber Ser Só, Saber Só Ser”, 17/8. Quando fundamentado em Martin Heidegger, tento dizer que a solidão é inerente à condição humana, exemplificando com a situação de Dona Odette Costa na UTI.

De um amigo, recebi e-mail. Eu bem sabia que aquelas barbas brancas traziam um mistério. Seu texto é uma verdadeira confissão. Partilhar a experiência humana é uma das funções de um cronista.

“Você falou tudo sobre solidão na crônica. Posso lhe assegurar que sou especialista na área. Viajei durante 40 anos, sempre sozinho.

O afastamento da família, como uma imposição natural ou uma desculpa de que o trabalho exige, transforma muitas pessoas em solitários catatônicos. A minha opção, a necessidade de sair do ambiente familiar, aconteceu aos 14 anos de idade. Comecei a viajar nos trens da Central do Brasil, sozinho, e desfrutei não só da liberdade, mas do prazer da solidão.

Os momentos mais penosos aconteceram no começo da aventura, aqueles fins de semanas no mais completo ‘abandono’. Nas sextas feiras, ao fim do expediente, nos hotéis, ficam aqueles que não retornam aos seus lares. Esse momento é complicado, pois não há clientes para visitar. Então, de sexta feira até segunda, o isolamento é a maior provação.

Descobri, com o passar do tempo, que o pessoal de serviço, empregados dos hotéis, eram os parentes de convívio aos sábados e domingos. Certo dia, entendi que me tratavam muito bem por ser eu um cliente periódico dos mesmos hotéis. Caiu a ficha, passei a tratá-los como funcionais à minha disposição, e não como parentes ou amigos. Era uma questão de disciplina. Deixei de dar conversas, mas dava apenas bom-dia, obrigado etc.

Hoje, caro Hélio, sou um dependente da solidão. Nunca aprendi a conviver sob o mesmo teto. Durante 25 anos, milhares de viagens que fiz com equipes, centenas de convenções (seis por ano), nos melhores hotéis, nas mais belas cidades, mas nunca partilhei um apartamento com um parceiro. Confesso que tenho medo de ser obrigado a conviver com alguém.

Estou envolvido em longo processo de divórcio; em noites mal dormidas, imagino que se puder casar novamente, como me comportarei diante de uma nova parceria. É assustador.

Parabéns pelo texto, essa ‘Entrelinhas’ levantou o tapete do meu arquivo mental, é uma volta ao passado que bate de frente com o futuro, e eu, presente nessa contradição.”

Para seu consolo, amigo solitário, transcrevo versos do poeta brasileiro Dante Milano: “Tudo é só, a montanha é só, o mar é só, o mar é só.../ A Lua ainda é mais só. / Se procurar alguém / Ele está só também.”

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