AGENDA CULTURAL

30.9.07

Motoqueiros e bicicleteiros

Saul Steinberg
Hélio Consolaro

Nos tempos medievais, peão andava a pé. Nobre era cavaleiro, montado, com seu escudeiro. Hoje, o peão anda a cavalo, e o patrão tem camioneta, aquela que atravanca o trânsito e traz um selo contra o Lula.

Então, caro leitor, a sua condução sempre revelou a condição social em que vive. E as mulheres sabem disso. Até as crianças. Se o pai tiver carro velho, o filho não faz muita questão de ir a pé para escola, não quer pagar mico diante dos colegas.

Nesta Folha, houve a notícia de que Birigüi e Araçatuba têm mais motos que a média do Estado de São Paulo. Ter uma motocicleta é sonho de todo bicicleteiro e de pedestre por força das circunstâncias. Ela é o estágio anterior ao carro.

A notícia me remeteu à juventude, passadas nas ruas de Araçatuba, quando essa cidade era um mar de bicicletas. Elas saíam em bandos para trabalhar na casa-grande.

Apenas quem foi bicicleteiro, como este croniqueiro, sentiu na pele que os meios de transporte revelam a condição social de cada um. Adotei recentemente a forma “croniqueiro” para ombrear, pelo menos mentalmente, com os bicicleteiros e motoqueiros, porque cronista, ciclista e motociclista é um negócio muito chique.

Andar a pé é ser ralé, chique mesmo é fazer caminhada. Em ambas as formas, o pedestre parece uma barata em nossas ruas, pronto para ser esmagado, atropelado. Como se ter as próprias pernas como meio de locomoção fosse um crime. Andar a pé ou de bicicleta é ecologicamente correto, faz bem à saúde, mas faz mal ao status. Socialmente incorreto.

Na década de 80, ter uma bicicleta Caloi de dez marchas era chique. Comprar uma, vestir roupa adequada e sair pedalando pelas ruas dava charme. Esse era o ciclista. Bicicleteiro era aquele que usava a magrela como meio de transporte, carregando a família toda em fins de semana.

Caloi, Monark, Görike eram as bicicletas de minha geração. A Phillips era coisa de “veio”. Cuidava-se dela como se fosse um cavalo, enfeitando-a com acessórios. Alguns até exageravam, deixava sua magrela bem parecida com árvore de Natal. Cafonice.

Motociclista tem motos grandes, saem em bandos em fins de semana pelas estradas. Motoqueiro trampa, a moto é um utilitário. E há até o moto-taxista, que carrega o outro na garupa e cobra.

Como bicicleteiro e motoqueiro, odiava motoristas, porque desrespeitavam os mais fracos no trânsito. Hoje, sou motorista e detesto bicicleteiro e motoqueiro, são todos atrevidos. Mudei de lado, pelo menos fisicamente.

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