AGENDA CULTURAL

10.2.11

Rolou uma química

Cientistas lançam luzes sobre o que acontece no cérebro dos apaixonados e avisam: romance vicia como cocaína

O supra-sumo da cantada cafajeste anda ocupando o tempo e as verbas de pesquisa dos cientistas americanos. O chavão do ''acho que rolou uma química entre nós'', deflagrado por nove em cada dez conquistadores baratos, nunca foi levado tão a sério. Estudos baseados em imagens do cérebro dos apaixonados e experiências de terapia gênica realizadas com roedores sugerem que o amor é mesmo fruto de dependência química.

A antropóloga Helen Fisher, da Rutgers University, acaba de lançar nos Estados Unidos o provocador Why We Love: the Nature and Chemistry of Romantic Love (Por Que Amamos: a Natureza e a Química do Amor Romântico), publicado pela editora Henry Holt and Company. Em sua quarta obra sobre o tema, a pesquisadora explica que as relações dos casais são regidas por três circuitos distintos no cérebro, com motivações e emoções próprias e acompanhadas de diferentes descargas neuroquímicas. Segundo ela, a humanidade burilou esse mecanismo com o objetivo primordial de unir homem e mulher e garantir a reprodução da espécie. O primeiro desses sistemas é o da luxúria, a necessidade de gratificação sexual que faz com que as pessoas se sintam motivadas a ''caçar'' um(a) parceiro(a) até o final da balada. O terceiro desperta a necessidade de um vínculo duradouro. Provoca aquela sensação de calma, segurança e bem-estar que parece cochichar aos enamorados: ''Sigam em frente, vocês serão capazes de se tolerar por tempo suficiente para criar um filho''. Entre estes dois, desponta o mais explosivo e angustiante: o do amor romântico, caracterizado por descargas de dopamina, que viciam como cocaína ou chocolate.
No futuro, a paixão poderá ser
estimulada com injeções
O bombardeio químico dessa fase instala na vida de quem está loucamente apaixonado uma mistura de céu e inferno. Uma única pessoa monopoliza a atenção do sofredor, que passa a sentir uma euforia desmedida quando as coisas vão bem e um desespero avassalador quando algo dá errado. A gangorra emocional é tão pronunciada que Helen enxerga nessa fase sintomas que lembram os do chamado transtorno bipolar, doença caracterizada por bruscas variações de humor disparadas por um desequilíbrio neuroquímico no cérebro.

O alvo da flecha de Cupido exibe disposição hercúlea, a ponto de passar noites em claro pensando no ser amado. Quimicamente viciado na imagem do parceiro, não há dúvida de que gostaria de levá-lo para a cama. Mais do que sexo, porém, o ''barato'' que anseia é a certeza da afeição correspondida, materializada em e-mails e telefonemas respondidos. ''Há muitas razões que fazem com que alguém sinta interesse por um parceiro específico. Atração sexual e identificação intelectual são alguns dos fatores envolvidos nisso, mas, quando a pessoa enxerga no outro as características ideais que procura, o cérebro é estimulado quimicamente e ela se apaixona'', disse Helen a ÉPOCA. ''Trata-se de um sistema muito primitivo, o mesmo que dispara o medo'', explica.
Por meio de análises de ressonância magnética, a equipe de Helen descobriu peculiaridades nos neurônios dos apaixonados. Enquanto olhavam fotos do ser amado, eles apresentaram maior atividade em regiões do cérebro como o núcleo caudado e a área tegmental ventral, responsável pela produção da dopamina, um poderoso estimulante que produz a sensação de gratificação que explica o vício por cigarro, drogas, chocolate e... amor.

Ao contrário do que se imagina, os homens caem na armadilha da paixão mais rápido que as mulheres, sustenta Helen. No entanto, a equipe observou diferenças nos circuitos cerebrais acionados pela imagem da pessoa amada. Os homens demonstraram maior atividade nas regiões relacionadas aos estímulos visuais e à ereção do pênis. As mulheres, por sua vez, demonstraram um alvoroço nas regiões responsáveis pela emoção, atenção e recuperação de memórias.

Essas diferenças fazem todo o sentido do ponto de vista da evolução da espécie, explica a antropóloga. O homem das cavernas baseava-se no exame visual para determinar se a fêmea aparentava sinais de juventude e vigor, fundamentais para lhe proporcionar uma prole saudável. Já as mulheres buscavam um bom protetor e provedor do lar. Por isso, fizeram bom negócio ao desenvolver a memória que lhes permite avaliar (e cobrar) promessas feitas e valorizar demonstrações de afeto, em vez de nortear a escolha do parceiro apenas pela aparência física.

Além do ''sistema compensatório dopaminérgico'', nome técnico desse mecanismo químico, a antropóloga suspeita que outros fatores, como excesso de norepinefrina e falta de serotonina, também estejam envolvidos na disparada do amor romântico. Atualmente, Helen se dedica a estudar essa hipótese. Ela pretende provar que circuitos envolvidos no pensamento racional se tornam mais pronunciados à medida que a relação se consolida. A paixão avassaladora e o vício seriam gradativamente substituídos pelas sensações de calma, profundidade e nenhuma necessidade de urgência.

Os mecanismos químicos que explicam o amor dos casais parecem ser uma sofisticação da atração animal verificada nos mamíferos. Em vez de copular com o primeiro que aparece, os bichos escolhem determinados parceiros e evitam outros. O cientista Larry Young, da Emory University, em Atlanta, investiga esse fenômeno em duas espécies de pequenos roedores que vivem no Canadá. As duas espécies compartilham 99% da carga genética, mas apresentam uma diferença curiosa no comportamento sexual. Enquanto os bichos das pradarias (Microtus ochrogaster) são monogâmicos, os que preferem as montanhas (Microtus montanus) não querem saber de parceiros exclusivos. Os cientistas descobriram que um único gene faz toda a diferença. Na espécie monogâmica, ele ativa os receptores de vassopressina e oxitocina, na região do cérebro responsável pelo sistema de recompensa que desencadeia o vício e a predileção por determinado parceiro. Por meio de terapia gênica, Young aumentou a quantidade de receptores das substâncias do amor no cérebro dos roedores da espécie ''devassa''. Resultado: eles se tornaram fiéis.

Estará próximo o dia em que o amor e a monogamia poderão ser induzidos por uma simples injeção? ''Teoricamente é possível manipular as emoções humanas alterando a química do cérebro por meio de drogas'', diz Young. ''Acredito que algum dia poderemos estimular o amor entre os casais. Mas daí a garantir monogamia é pedir demais...'', brinca.

A ciência que pretende explicar o amor está longe de ser definitiva. Na Idade Média, a crença de que o coração seria o centro das emoções era compartilhada até pelos estudiosos mais credenciados. No século passado, o foco das atenções mudou-se para o cérebro e, nas próximas décadas, muitas explicações deverão surgir do entendimento da interação entre os genes. Essas descobertas prometem lançar luzes sobre as dificuldades de relacionamento e propor soluções. Mas elas cumprem outra função social: a de gerar saborosa munição para as conversas de botequim. 

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