AGENDA CULTURAL

10.4.11

Formação de leitores é desafio a ser enfrentado por professores


Na prática, as exigências dos principais vestibulares do país acabam pautando a programação dos colégios.
Durante muito tempo, o estudo da literatura limitou-se ao conhecimento dos estilos de época e dos seus principais representantes -e a literatura era vista por não poucos estudantes como uma das "matérias chatas" do currículo.
Uma arte, comparável à pintura, à escultura e à música, foi, muitas vezes, reduzida a uma coleção de nomes de autores e características estilísticas. Alguém imaginaria estudar a história da música sem ouvir música?
Para estudar literatura, entretanto, é preciso ler -e isso requer o desenvolvimento da concentração. Em tempos de absorção fragmentária do conhecimento, na velocidade dos microtextos da internet, isso pode parecer difícil, mas é uma missão a cumprir: é preciso ensinar a ler para além da leitura dinâmica.
A literatura é fonte de sutilezas tanto de pensamento como de linguagem, um canal privilegiado de percepção e diálogo com o mundo -e os estudantes não podem ser privados desse saber.
Parece improvável, porém, que um aluno de 15 anos venha a se interessar po literatura começando com obras de Gil Vicente ou de Camões, como manda a 
r
cronologia que tem dirigido os currículos de literatura. Não é nova a ideia de inverter a ordem, de modo que os estudantes mais jovens tomem contato com obras mais recentes, de linguagem menos difícil, deixando para um segundo momento as obras mais antigas.
O que se vê hoje é uma situação pouco alentadora. Os principais vestibulares do país vêm adotando listas de livros de leitura obrigatória.
Se a iniciativa, num primeiro momento, fez que os candidatos à universidade lessem pelo menos algumas obras inteiras, hoje os professores de cursinhos as leem e as dissecam nas chamadas "aulas especiais". Na internet, o estudante também encontra, devidamente digeridas, as obras das listas.
Ao mesmo tempo, por um motivo ou por outro, salvo algumas exceções, a literatura contemporânea é subtraída dessas listas, acentuando a defasagem entre o mundo real e o universo escolar.
Paradoxalmente, o esforço dos professores em resumir e interpretar as obras selecionadas parece relegar ao segundo plano o mais relevante: a experiência de leitura. Há que se perguntar se as listas de livros promovem o avanço na formação de leitores literários ou se acabam produzindo indesejáveis efeitos colaterais.
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THAÍS NICOLETI DE CAMARGO é consultora de língua portuguesa do Grupo Folha-UOL.
São Paulo, segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saber/sb2712201003.htm
Folha Saber

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