AGENDA CULTURAL

21.8.11

Muitos tapas na cara


Minha neta Luísa, sendo formatada pela família nestes primeiros momentos de sua vida

Hélio Consolaro*

A casa era grande. A empregada era negra. O sinhozinho tinha sete anos e estudava em escola particular. Ano de 2011.
- Zilma, quero o meu game.
- Vá buscar, oras!
- Minha mãe paga, você é a empregada da casa, precisa me obedecer.
A mãe ficou sabendo dessa descortesia. A própria Zilma lhe contou. Não houve câmeras escondidas. Chamou o sinhozinho às falas:
- Zilma é empregada, sim, mas não pode tratá-la como escrava! Merece respeito...
A avó também ficou indignada com a arrogância do sinhozinho. Sapecou-lhe um pito quilométrico, como se amar ensinasse com reprimendas.
O pai foi logo dizendo:
- Coleguinhas de escola têm babá, apesar dos 7 anos; pisa nelas, tudo é servido na mão, deve contar para ele, assim Adalberto repete esse comportamento cocô aqui.

Se a família é indispensável para que desenvolvamos a nossa sociabilidade, um mal necessário, é ela que ensina o preconceito e a arrogância.
Aldo Huxley escreveu “Admirável Mundo Novo”, cujos personagens eram criados sem famílias, psicologicamente assépticos, mas chatas, porque não existe pessoa mais intolerável do que a feliz, sem problemas.
A família, portanto, é o compartilhamento de nossas imperfeições. Um ninho de diferenças. Nela aprendemos a resolvê-las democraticamente ou na porrada.
Outro dia tive o prazer de conhecer o escultor Osni Branco e conviver algumas horas com ele e sua filha Yasmin. Osni, sessentão, araçatubense que ganhou o mundo, se transformou em artista famoso. E ele dizia:
- Não bebo, pois não quero que meus filhos bebam. Tenho que dar o exemplo.
Assim também ocorre com o relacionamento entre as pessoas. Se os pais tratam os outros com dignidade, os filhos imitam-nos. Ninguém nasce soberbo. Apesar de o mundo ensinar ao contrário, o ensinamento básico permanece.
Se a criança presencia o pai fazer trapaça em seus negócios ou, então, ouve-o contar vantagens sobre as rasteiras que deu durante o dia, enganando os outros, a criança vai seguir o mesmo caminho.   
Todos educam nossos filhos: amigos, escola, parentes, mídia, mas acima de tudo os adultos mais próximos, como a família. Ela é uma difusora cultural infalível.
Então, caro leitor, a corrupção e tantos outros comportamentos são aprendidos com nossos exemplos.
Não pretendo dar lição de moral, detesto isso. Sou tão mau como os demais mortais, mas chega de falso moralismo. Corruptos e corruptores convivem conosco, às vezes, nós somos eles em nosso pequeno mundo.
Não pretendo mudar o mundo para melhor, não sou pretensioso. Nem sei como consigo encontrar forças para viver. Vivo porque é preciso. Se os políticos lutam para permanecer no poder, os religiosos (hierárquicos) justificam o seu ministério a todo o momento em suas pregações: são ungidos. 
O sinhozinho tem muito a aprender. A vida vai lhe dar muitos tapas na cara, ela é impiedosa. E será impossível formalizar denúncia ao Conselho Tutelar.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras, da Cia. dos Blogueiros e da UBE. Atualmente é secretário municipal de Cultura de Araçatuba.

    

Um comentário:

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

Lindinha, ainda bem que puxou pela mãe e pela avó.
Quanto ao futuro deles, não se preocupe: serão melhores que nós.