AGENDA CULTURAL

30.3.12

Exclusivo e inclusivo


Hélio Consolaro*

A revolução ou o golpe de 31 de março? A direita diz que foi revolução, a esquerda denomina o fato de golpe. Há 48 anos, tentaram consertar o Brasil sem democracia. As forças conservadoras de nossa sociedade se sentiram aliviadas. O caminho era acabar com a democracia para salvá-la, um paradoxo. Era o golpe da direita contra a guerrilha cubana da esquerda. Faces da mesma moeda.

Senti na carne a falta de democracia. Preso e processado pela Segurança Nacional. Nesta semana, me levantei mais reflexivo. O menino de 24 anos de idade vinha para Araçatuba, numa visita rotineira aos pais, quando, de repente, o ônibus da Andorinha para a 20 km de Rosana-SP. Soldados por todos os lados. Quem seria o bandido?

- Quem é Hélio Consolaro - declarou o comandante na porta.

Apresentei-me, lívido. Havia chegado a minha hora, a tríade “A luz no túnel”, recém-lida, começava a virar realidade. O aparato bélico era para uma guerra, mas foram buscar apenas dois professores recém-formados, que ensinavam meninos no Pontal do Paranapanema.

De volta à república de professores, três cômodos inacabados, vi meus pertences revirados e alguns de meus livros apreendidos. Também foram buscar Tito Damazo em sua casa, recém-casado. Chegamos a São Paulo, no DOI-CODI, Rua Tutoia, os caras pegaram na barba rala do Tito como se estivessem segurando-o pelo colarinho da camisa:

- Você que anda distribuindo armas no Pontal do Paranapanema?

Assim jogaram dois rapazes latino-americanos numa cela, sem dinheiro no bolso, que apenas discordavam da ditadura militar. Nela só havia um colchão de solteiro para dois. Tito e eu dividimos aquele conforto por umas três noites, até chegar o Amílcar, agrônomo, preso político pela terceira vez, macaco velho. Como companheiro de cela, começou a exigir isso, aquilo, nos levantou o moral. Depois chegaram Manezinho e Osvaldo, os quatro da ex-diretoria do Diretório Acadêmico de Penápolis.

Ficamos na rua Tutóia durante 15 dias. Lá ouvimos o estudante Vanucci  morrer aos gritos, sendo torturado. Depois nos levaram ao DOPS, lá a gente ouvia, numa das celas, alguém cantar como um passarinho, sem perder a alegria revolucionária.
Garrastazu Médici

A nossa prisão ganhou manchete no jornal “O Imparcial”, de Presidente Prudente: éramos acusados de estar transportando armas pelo rio Paraná. Logo eu, que só conheci arma de fogo no TG-14 em 1967. A gente ria da farsa.

A região do Pontal, abandonada, com a nossa prisão, ganhou desenvolvimento e três usinas hidrelétricas. O governo ficara com medo! Seria novo foco de guerrilha? Após 30 dias de prisão, estávamos de volta, pois descobriram que éramos meninos inocentes. Na chegada em Rosana, ganhamos festa da cidade, com foguetório.

- Os professores voltaram! – gritavam os alunos.

O governo Médici vivia uma euforia desenvolvimentista, como agora vive o governo petista. Até se pregava nos carros, fuscas, principalmente, um selo nacionalista exclusivo e que expulsavam os discordantes para fora do país: Brasil, ame-o ou deixe-o. Bem diferente do inclusivo “Brasil, um país de todos”.   

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Atualmente é secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP 

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