Hélio Consolaro*
A revolução ou o golpe de
31 de março? A direita diz que foi revolução, a esquerda denomina o fato de
golpe. Há 48 anos, tentaram consertar o Brasil sem democracia. As forças conservadoras
de nossa sociedade se sentiram aliviadas. O caminho era acabar com a democracia
para salvá-la, um paradoxo. Era o golpe da direita contra a guerrilha cubana da
esquerda. Faces da mesma moeda.
Senti na carne a falta de
democracia. Preso e processado pela Segurança Nacional. Nesta semana, me levantei
mais reflexivo. O menino de 24 anos de idade vinha para Araçatuba, numa visita
rotineira aos pais, quando, de repente, o ônibus da Andorinha para a 20 km de Rosana-SP.
Soldados por todos os lados. Quem seria o bandido?
- Quem é Hélio Consolaro -
declarou o comandante na porta.
Apresentei-me, lívido.
Havia chegado a minha hora, a tríade “A luz no túnel”, recém-lida, começava a
virar realidade. O aparato bélico era para uma guerra, mas foram buscar apenas
dois professores recém-formados, que ensinavam meninos no Pontal do Paranapanema.
De volta à república de
professores, três cômodos inacabados, vi meus pertences revirados e alguns de
meus livros apreendidos. Também foram buscar Tito Damazo em sua casa,
recém-casado. Chegamos a São Paulo, no DOI-CODI, Rua Tutoia, os caras pegaram
na barba rala do Tito como se estivessem segurando-o pelo colarinho da camisa:
- Você que anda
distribuindo armas no Pontal do Paranapanema?
Assim jogaram dois rapazes
latino-americanos numa cela, sem dinheiro no bolso, que apenas discordavam da
ditadura militar. Nela só havia um colchão de solteiro para dois. Tito e eu
dividimos aquele conforto por umas três noites, até chegar o Amílcar, agrônomo,
preso político pela terceira vez, macaco velho. Como companheiro de cela, começou
a exigir isso, aquilo, nos levantou o moral. Depois chegaram Manezinho e Osvaldo,
os quatro da ex-diretoria do Diretório Acadêmico de Penápolis.
Ficamos na rua Tutóia
durante 15 dias. Lá ouvimos o estudante Vanucci
morrer aos gritos, sendo torturado. Depois nos levaram ao DOPS, lá a
gente ouvia, numa das celas, alguém cantar como um passarinho, sem perder a alegria
revolucionária.
A nossa prisão ganhou
manchete no jornal “O Imparcial”, de Presidente Prudente: éramos acusados de
estar transportando armas pelo rio Paraná. Logo eu, que só conheci arma de fogo
no TG-14 em 1967. A gente ria da farsa.
A região do Pontal,
abandonada, com a nossa prisão, ganhou desenvolvimento e três usinas
hidrelétricas. O governo ficara com medo! Seria novo foco de guerrilha? Após 30
dias de prisão, estávamos de volta, pois descobriram que éramos meninos inocentes.
Na chegada em Rosana, ganhamos festa da cidade, com foguetório.
- Os professores voltaram!
– gritavam os alunos.
O governo Médici vivia uma
euforia desenvolvimentista, como agora vive o governo petista. Até se pregava
nos carros, fuscas, principalmente, um selo nacionalista exclusivo e que expulsavam
os discordantes para fora do país: Brasil, ame-o ou deixe-o. Bem diferente do
inclusivo “Brasil, um país de todos”.
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