AGENDA CULTURAL

29.11.12

Saber envelhecer



Hélio Consolaro*

Duas meninas moça andavam pela calçada, insinuavam uma olhada maliciosa, um assovio atrevido. Trajavam bermudas jeans. Pareciam que acabavam de abandonar o ninho da meninice, da infância, e adentravam o mundo da mulher. Havia nelas um frescor de juventude recente. Como se a passagem de uma faixa etária para outra fosse tão rápida, como a borboleta sai de seu casulo. De repente, não mais que de repente, brotassem no passeio de uma rua duas novas beldades.

Não, caro leitor, meu olhar não foi de malícia. Pus-me a cutucar o cérebro como filósofo do cotidiano. Elas ainda estavam descobrindo o mundo. Com certeza, já deram o primeiro beijo de língua, ensaiado com um coleguinha de turma, mas parecia que não houvera ocorrido a primeira transa. Enganam-se aqueles que consideram o jovem atual muito atrevido, promíscuo e inconseqüente. Eles estão aprendendo a viver com liberdade e se preservam bem mais do que nós, os bem-maduros.

As duas passeavam pelas ruas da cidade, estavam próximas de um supermercado. Talvez fossem buscar alguma coisa para casa a pedido da família. O olhar de lado transmitia certa curiosidade. Ver se alguém as observava, porque eram duas codorninhas saídas do ninho que ganhavam o mundo e podiam ser alvejadas pelo primeiro caçador.

Esse cronista avô passou, chamado, às vezes de “tiozão”, lembrou-se de sua juventude. Que nas priscas eras (Nossa! Que arcaísmo!) teria dito aos colegas:

- Gente, carne nova no pedaço!
      
O abatedor não perdoa! Está à procura de sua presa.

Na verdade, teria tido com elas aquele papo besta:

- Vocês são novas por aqui?

- Vão sair hoje à noite?

Na verdade, fora demasiadamente tímido, mas para os colegas contaria um papo enorme de feitos e vantagens inexistentes.

Aquela rua para elas era uma avenida larga, estavam iniciando a corrida. Apesar de estar no carro, a avenida para mim era um beco sem saída, próximo ao ponto de chegada. Cabelos brancos, o corpo se debilitando.

Também descobri na hora que não podemos ser felizes comparando faixas etárias em nós mesmos. Cada fase tem a sua beleza e precisamos explorá-la adequadamente. Tenho saudade da juventude, mas não posso desistir da vida por causa da velhice.

Seria imaturo eu querer ter as características da juventude, me esconder porque minha aparência não seja tão bonita. Daí talvez alguns velhotes construírem uma aparência mais jovem adquirida no salão de beleza e na loja de roupas.

Como canta Juca Chaves: "Fica mais velho quem tem medo de ser velho/ Roubando sonhos de alguma adolescente/Dizer que ele ‘dá duas’, que é potente / Mentir para si próprio e para o espelho”.

Se você, caro leitor, é assim: um sujeito que luta contra a velhice, que seja! Não estou aqui a dar sermões. Afinal, não existe nada mais feliz do que a alegria de ser o que é. As duas meninas moça pareciam felizes com a juventude. Não estou proibido de curtir a minha velhice.  

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Atualmente é secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP     

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Não precisa ficar jovem, nem precisa nascer dentes,´só conservar a energia, e manter lúcida a mente.