PEC: Proposta de Emenda Constitucional
Tal qual os senhores de escravos do século XIX, que diziam que os negros não poderiam ser libertados, pois seriam entregues à própria sorte, a colunista Danuza Leão, da Folha, argumenta que a PEC das Domésticas, aprovada pelo Senado Federal, na verdade pune tais profissionais, uma vez que, com maiores direitos trabalhistas, como FGTS e adicional noturno, elas serão dispensadas pelas patroas
24 DE MARÇO DE 2013 ÀS 11:52
247 - No século XIX, os escravocratas tinham um discurso na ponta da língua. Negros não podiam ser libertados porque, sem a proteção dos fazendeiros, que, afinal de contas, lhes devam abrigo e alimentação, seriam entregues à própria sorte. Neste domingo, aquele velho discurso ecoou na Folha de S. Paulo, na coluna da escritora Danuza Leão, que já viveu seus dias de glória como socialite.
No texto "A PEC das empregadas", Danuza escreve sobre o projeto de lei aprovado em primeiro turno pelo Senado Federal, que amplia direitos de tais profissionais, com a exigência de benefícios como o recolhimento de FGTS e o pagamento de FGTS. Ela prevê que o projeto, se não for bem discutido, colocará muita gente no olho da rua, uma vez que as patroas da classe média alta não conseguirão manter o privilégio – que, aliás, não existe em boa parte do mundo civilizado, que Danuza bem conhece.
Recentemente, Danuza já havia escrito que viajar a Paris e Nova York havia perdido a graça, porque havia o risco de dar de cara com o porteiro do prédio (leia mais aqui). Aparentemente, a socialite ainda não se acostumou com um Brasil em que as fronteiras sociais se movem e não são as mesmas do seu tempo.
Leia, abaixo, a coluna de Danuza:
A PEC das empregadas
Essa Pec das empregadas precisa ser muito discutida; como foi mal concebida, assim será difícil de ser cumprida, e aí todos vão perder.
A intenção de dar as melhores condições à profissional, faz com que seja quase impossível que o empregador tenha meios de cumprir com as novas leis; afinal, quem vai pagar esse salário é uma pessoa física, não uma empresa.
Vou fazer alguns comentários sobre as condições -diferentes- em que trabalham as domésticas aqui e em países mais civilizados.
Vou falar da França e dos Estados Unidos, que são os que mais conheço. Lá, quem mora em apartamento de dois quartos e sala, é considerada privilegiada, mas nenhum deles tem área de serviço nem quarto de empregada (costuma existir uma área comunitária no prédio com várias máquinas de lavar e secar, em que cada morador paga pelo tempo que usa); uma família que vive num apartamento desses tem -quando tem- uma profissional que vem uma vez por semana, por um par de horas.
É claro que cada um faz sua cama e lava seu prato, e a maioria come na rua; nessas cidades existem dezenas de pequenos restaurantes, e por preços mais do que razoáveis.
Apartamentos grandes, de gente rica, têm quarto de empregada no último andar do prédio (as chamadas "chambres de bonne", que passaram a ser alugadas aos estudantes), ou no térreo, completamente separados e independentes da família para quem trabalham.
Essas domésticas -fixas e raras- têm salario mensal, e sua carga horária é de 8 horas por dia, distribuídas assim: das 8h às 14h (portanto, 6 horas seguidas) arrumam, fazem o almoço, põem a casa em ordem. Aí param, descansam, estudam, vão ao cinema ou namoram; voltam às 19h, cuidam do jantar rapidinho (lá ninguém descasca batata nem rala cenoura nem faz refogado, porque tudo já é comprado praticamente pronto), e às 21h, trabalho encerrado.
Mas no Brasil, muitos apartamentos de quarto e sala têm quarto de empregada, e se a profissional mora no emprego, fica difícil estipular o que é hora extra, fora o "Maria, me traz um copo de água?". E a ideia de dar auxílio creche e educação para menores de 5 anos dos empregados, é sonho de uma noite de verão, pois se os patrões mal conseguem arcar com as despesas dos próprios filhos, imagine com os da empregada.
Quem vai empregar uma jovem com dois filhos pequenos, se tiver que pagar pela creche e educação dessas crianças? É desemprego na certa.
Outra coisa esquecida: na maior parte das cidades do Brasil uma empregada encara duas, três horas em mais de uma condução para chegar ao trabalho, e mais duas ou três para voltar para casa, o que faz toda a diferença: o transporte público no país é trágico. Atenção: não estou dando soluções, estou mostrando as dificuldades.
Na França, quando um casal normal, em que os dois trabalham, têm um filho, existem creches do governo (de graça) que faz com que uma babá não seja necessária, mas no Brasil? Ou a mãe larga o emprego para cuidar do filho ou tem que ser uma executiva de salário altíssimo para poder pagar uma creche particular ou uma babá em tempo integral, olha a complicação.
Nenhum país tem os benefícios trabalhistas iguais aos do Brasil, mas isso funciona quando as carteiras das empregadas são assinadas, o que não acontece na maioria dos casos; e além da hora extra, por que não regulamentar também o trabalho por hora, fácil de ser regularizado, pois pago a cada vez que é realizado? Se essa PEC não for muito bem discutida, pode acabar em desemprego.
P.S.: É difícil saber quem saiu pior na foto esta semana: se d. Dilma, dizendo em Roma que a culpa pelas tragédias de Petrópolis se deve às vítimas, que não quiseram sair de suas casas, ou se Cristina Kirchner, pedindo ajuda ao papa no assunto das Malvinas.
Leia, ainda, o texto da Agência Brasil, sobre a PEC das Domésticas:
Mariana Jungmann
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O plenário do Senado aprovou hoje (19), por unanimidade em primeiro turno, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que amplia os direitos trabalhistas dos empregados domésticos, conhecida como PEC das Domésticas. Foram 70 votos favoráveis e nenhum contrário. Foi aprovada apenas uma emenda de redação, de modo que a matéria conserva o texto enviado pela Câmara dos Deputados.
O texto estende aos empregados domésticos 16 direitos assegurados hoje aos demais trabalhadores urbanos e rurais regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), incluindo obrigatoriedade de recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), hora extra e adicional noturno. Além disso, passa a ser obrigatório o aviso prévio de 30 dias antes de demissão sem justa causa ou de pedido de demissão por parte do trabalhador. A categoria reúne 6,6 milhões de brasileiros, sendo a maioria formada por mulheres (6,2 milhões).
Por acordo entre o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e os demais senadores foram quebrados os interstícios necessários para a votação em primeiro turno. A votação em segundo turno foi marcada para a próxima semana, na terça-feira (26). Se o texto da Câmara for mantido também na próxima votação, a matéria seguirá para promulgação.
Advogado Evandro da Silva, de Araçatuba, escreveu sobre o assunto no jornal O LIBERAL, de 24/3/2013. Leia abaixo:
Avança Brasil!
Sou o quarto de cinco filhos. Tive uma infância simples, mas muito agradável. Lembro-me de que, desde a adolescência, era incumbido por minha mãe de realizar algumas tarefas domésticas, das quais eu não gostava, mas realizava, como todos os meus irmãos. Foi assim que aprendi a arrumar a cama, lavar e secar a louça, limpar a casa e até a cozinhar.
Hoje, adulto, sou grato por esse aprendizado, que me fez valorizar o trabalho doméstico, por demais ingrato. Imagine arrumar a cama já sabendo que ela será desarrumada poucas horas depois; terminar de limpar o chão com alguém já esperando para passar; ou lavar a louça do café sabendo que, em alguns minutos, começará a preparar o almoço. Enfim, o trabalho doméstico é como enxugar gelo; ele nunca tem fim, apenas pausas. Nesta semana, o Senado Federal aprovou por unanimidade (apenas 70 senadores estavam presentes e participaram da votação), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) – já aprovada em dezembro pela Câmara dos Deputados – que corrige uma desigualdade histórica e machista ao equiparar os trabalhadores domésticos aos demais trabalhadores brasileiros, rurais e urbanos. Hoje, infelizmente, o trabalhador doméstico não usufrui de 17 direitos já reconhecidos aos demais trabalhadores, como, por exemplo, horas extras, jornada de trabalho de 8 horas diárias ou 44 horas semanais, 13º salário, aviso prévio, férias remuneradas e adicional noturno. Para mim, a lei atual reflete um pensamento machista, porque o trabalho doméstico foi, outrora, realizado essencialmente pelas mulheres e desvalorizado pelos homens. Recordo-me das queixas da minha mãe de que trabalhava muito, mas não tinha nem salário, nem direito à aposentadoria. Isso porque, até há pouco tempo, a dona de casa só podia contribuir com o INSS na condição de autônoma. Em razão das diferenças de tratamento que a lei impunha ao trabalho doméstico, lembro que, na faculdade de Direito, era comum ouvir que “doméstico só tem direito de trabalhar”. A lei, de fato, criou duas categorias de trabalhadores; os domésticos, infelizmente, sempre foram os marginalizados, como se o trabalho deles fosse menos importante. Ora, trabalho é trabalho e quem o realizar é trabalhador, devendo ser tratado como tal e como tal remunerado. Aliás, isso é bíblico. Segundo o livro de 1ª Carta a Timóteo, capítulo 20, versículo 18, segunda parte, “digno é o obreiro do seu salário”. A PEC ainda precisa ser aprovada em segundo turno pelo Senado, na próxima terça-feira, para, então, ser promulgada e passar a valer, acabando com uma desigualdade histórica. Por isso mesmo, essa proposta vem sendo chamada de “segunda abolição”, em referência ao trabalho escravo. Acho o termo “segunda abolição” um exagero, pois torna pequenos os crimes cometidos contra os negros escravizados no passado. Mas, tal como a abolição assinada pela Princesa Isabel, a aprovação da “PEC do trabalho doméstico” é uma mostra de amadurecimento da sociedade brasileira a caminho de um país mais justo e solidário. Somente com igualdade, solidariedade e justiça o Brasil avançará. Então, avancemos! *Evandro da Silva, advogado |
Nenhum comentário:
Postar um comentário