Hélio Consolaro*
Não sei se o caro leitor já ouviu a antiga expressão:
“Educação é questão de berço”. Analisada, assim, sem nenhuma informação histórica,
demonstra que é na infância que se dá a formação mais importante da pessoa. É uma
verdade.
Mas se um pobre ou negro tiver alguma atitude condenável e
alguém de nariz empinado disser: “É uma questão de berço”, a expressão está
carregada de preconceito, de gente que quer excluir. Berço de ouro, por
exemplo.
Não sou daqueles que julgam todos os pobres e todos os
negros bons por antecipação. Há muita gente preconceituosa nesse meio também,
porque eles repetem aquilo que observam, sofrem e aprendem em sociedade.
Há uma frase interessante de Delfim Neto, quando era
ministro da Fazenda: o trabalhador brasileiro é um capitalista pobre. Basta que
tenha capital, para se tornar também explorador. Ou, então: conheça uma pessoa,
pondo-lhe um chicote à mão. Se ela for de má índole, haverá com certeza abuso
de autoridade.
Machado de Assis em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” cria
uma situação interessante nesse livro. Brás Cubas surpreende o negro Prudêncio
(ambos personagens do livro), já liberto, negrinho de quem tanto judiava na
infância, chicoteando outro negro na rua. O ex-dono sentiu-se um bom professor.
Era o oprimido aplicando os mesmos
métodos do opressor. Outro exemplo: se crianças batem em bonecas, com certeza,
apanham de seus pais.
A monarquia baseia-se na transmissão de poder pela questão
de sangue (sangue azul): o pai é rei, o filho herdará o trono. A Revolução
Francesa, século 18, acabou com isso, embora ainda existam algumas monarquias
constitucionalistas.
Os conservadores, contudo morem numa república, repetem a
motivação monarquista em suas ações cotidianas. Tudo é questão de berço. A
condição de herdeiro passa a ser um tributo nato.
Se é nobre, vai ser da nobreza. Se é plebeu, pertencerá
sempre à plebe. A monarquia não existe mais há mais de 100 anos no Brasil, embora
haja muitos monarcas entre nós. Daí essa raiva danada da política atual de
inclusão social praticada: “não existe classe C emergente” gritam os
reacionários.
Outra expressão é “João Henrique tem dom, Deus passou isso
para ele”. Isso acontece principalmente no meio artístico. Hoje, com a teoria
das inteligências múltiplas e que algumas são desenvolvidas em nós pela
família, pela escola, outras não, derruba toda a teoria monarquista do dom, mas
ela ainda está presente no senso comum.
Então, quando alguém lhe disser que precisamos ser mais
republicanos, está implícita uma recomendação: deixemos de ser monarquistas.
Para não se surpreender, caro leitor, o monarquismo tem presença forte até em
partidos de esquerda.
Não existe “dom” e nem “berço”, há sim educação que deve ser
boa e de excelente qualidade para todos. Devemos democratizar as oportunidades.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor.
Secretário municipal de Cultura.
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