AGENDA CULTURAL

16.4.14

Bolinha de papel, a farsa política desmascarada

Na terça-feira houve a primeira exibição, em São Paulo, do documentário “O Mercado de Notícias”, do cineasta gaúcho Jorge Furtado. Ele entrelaça uma peça do século 17, que já abordava o papel da mídia, com depoimentos de jornalistas.
A parte mais interessante do documentário é a reconstituição do episódio da bolinha de papel que atingiu o candidato José Serra na campanha de 2010.
Juntaram-se várias cenas..
Uma cena rápida da reportagem da TV Bandeirantes mostra um braço negro, com uma camisa azul, atirando a bolinha de papel. Ao lado, uma pessoa corpulenta com camisa vinho. Não se vêem seus rostos.
Outras cenas gravadas mostram um sujeito negro de óculos escuros e camisa azul, e outro branco, corpulento, de camisa vinho, no mesmo local, pouco antes do arremesso da bolinha. Ambos próximos a Serra, e atuando na sua segurança.
Não é mencionado no documentário, mas provavelmente trata-se de um trabalho de 2010 (http://glurl.co/dG0) de autoria de Sérgio Antiqueira, que recebeu apenas 1.639 visualizações no Youtube.

Com essas revelações, fecha-se o ciclo de uma das maiores tentativas de fraude eleitoral da história política recente do país.
O primeiro passo foi a escolha do local, uma região francamente hostil da cidade.
Em 1999, quando Ministro da Saúde, Serra mandou demitir 5.700 mata-mosquitos da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) no Rio - técnicos incumbidos de combater os mosquitos da dengue.
Há indícios de que o fim dos mata-mosquitos visou liberar verbas para o governo do Estado, já que a Funasa continuou repassando anualmente os R$ 11 milhões referentes aos salários dos demitidos.
As consequências foram desastrosas, com a gripe da dengue se alastrando por todo o estado. No ano seguinte, a epidemia se abateu sobre 45 mil pacientes infectados, causando dezenas de mortes, mais da metade do total de mortes por dengue no país (http://glurl.co/dG2).  Foi o ano com mais registros de dengue da história, a maior parte concentrada no Rio.

Serra acabou inimigo mortal da categoria.  Em 2.000, eventos políticos dos quais participava já tinham sido invadidos por mata-mosquitos (http://glurl.co/dG3).  O mesmo ocorreu em outubro de 2002 (http://glurl.co/dG5).
O episódio da bolinha de papel ocorreu justamente na região oeste do Rio, onde fica o Sindicato dos mata-mosquitos. Era óbvio que haveria reação, tanto assim que Serra desembarcou cercado por um exército de seguranças, provocando ostensivamente os manifestantes e criando o clima adequado para as cenas seguintes.
As duas bolinhas
Em poucos minutos, explodem duas cenas.
A primeira, o da bolinha de papel que pipoca na cabeça de Serra e cai no chão. Serra leva algum tempo para se dar conta do fato e aparentemente perde a primeira oportunidade de montar o teatro.
A segunda oportunidade é mais à frente. Serra recebe um telefonema. Pouco tempo depois leva a mão à cabeça. Caminha mais um pouco, sem aparentar danos. Uns cinco segundos depois leva a mão à cabeça, caminha em direção ao carro da comitiva. Ainda tem tempo para conversar um pouco com alguns fãs.
Depois entra e segue para um hospital onde é atendido pelo cirurgião médico de cabeça e pescoço Jacob Kligerman – que presidiu o INCA (Instituto Nacional do Câncer) na gestão de Serra na saúde.
Na Justiça existem as provas declaratórias (que dependem apenas de declarações de testemunhas) e as provas documentais (as que têm efetivamente valor).
Klingerman declara à imprensa que Serra chegou ao consultório “com náuseas e tonteira”. Quanto às provas documentais, nada havia. Informa que não havia lesão aparente (externa), e a tomografia nada acusou. Pelo sim, pelo não, recomendou 24 horas de repouso.
Naquela noite, o Jornal Nacional divulgou reportagem onde endossava a versão da agressão com “objeto contundente” (http://glurl.co/dG9). Dizia-se ser um rolo de fita crepe. A reportagem terminava com um Serra nitidamente interpretando o papel de uma pessoa fragilizada, deblaterando contra a guerra política.
Naquela mesma noite, uma reportagem da SBT mostrava a cena da bolinha de papel (mas sem os seguranças), o telefonema recebido por Serra e, em seguida, ele levando a mão à cabeça.
Começou a guerra de versões. O Jornal Nacional chegou a convocar o perito Ricardo Molina para analisar um vídeo gravado por celular que supostamente provaria que houve um segundo objeto lançado contra Serra, um rolo de fita crepe. Não se perguntou ao perito se, mesmo supondo-se ter sido um rolo de fita crepe, qual seu poder de contusão.
Outros técnicos rebateram as análises de Molina, com vídeos colocados na Internet, mostrando que o objeto identificado como fita crepe não passava de uma sombra de algum manifestante, em um vídeo de baixíssima resolução.
No dia seguinte, o então presidente Lula comparou Serra ao goleiro chileno Rojas – que simulou ter sido atingido por um rojão em um jogo no Maracanã.
O vídeo de 2010 – trazido à tona pelo documentário – ao provar que foram os próprios seguranças de Serra que atiraram a primeira bolinha, desnuda de vez a que poderia ter sido uma das grandes fraudes midiáticas-políticas da década. E não foi graças ao contraponto exercido pelas redes sociais.
O resultado final foi a desmoralização do candidato por um partido alto de Tantinho da Mangueira (http://glurl.co/dGA).

“Deixa de ser enganador
Pois bolinha de papel
Não fere e nem causa dor”

 



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