AGENDA CULTURAL

14.9.14

Fim de "Grande Família" amplia a pobreza cultural da TV brasileira

Criada por um dos fundadores do CPC da UNE, seriado era um esforço bem sucedido para entender a classe média brasileira; leia reportagem de Paulo Moreira Leite sobre o seriado
Se determinadas atrações da TV brasileira têm uma qualidade tão ruim que a decisão de retirá-las do ar merece aplauso, o fim A Grande Família é um fato a se lamentar. A televisão brasileira ficará mais pobre, do ponto de vista cultural.
Através de personagens criados há quarenta anos por um dos grandes autores brasileiros, Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha, e Armando Costa, nossa dramaturgia eletrônica construiu um dos raros — e riquíssimos — pontos de contato com o Brasil real. Seus personagens eram cidadãos da classe média brasileira: funcionários públicos, donas de casa esforçadas e medrosas, agregados oportunistas e filhos crescidos, sem rumo na vida, numa família em luta permanente contra a falta de dinheiro e a preservação de seus conceitos de honra e dignidade, entre o egoísmo e a solidariedade.
A Grande Família estreou numa primeira versão em 1973, quando o país vivia num dos piores momentos do regime militar. Trouxe problemas de homens e mulheres de carne e osso para um vídeo onde aventuras de capa-e-espada e comédias agua-com-açucar eram a regra. Com idas e voltas, retornou ao ar há dez anos, com dois atores estupendos, Marieta Severo e Marco Nanini, nos papéis principais. Apesar das muitas mudanças sofridas, o seriado conseguiu manter vestígios dos traços originais.
Mais do que o espírito de puro entretenimento que norteia a quase totalidade das produções da televisão brasileira, A Grande Família não era uma comédia descartável, onde vale tudo pela audiência. Era um esforço honesto para compreender a realidade e os conflitos em que seus personagens estavam inseridos. O roteiro evitava sequências gratuitas e passava longe de cenas apelativas. Os personagens se mantinham leais a sua história e seus valores, o que explica uma sobrevivência longa, acompanhada nos últimos tempos por uma audiência de 20 pontos no Ibope, marca para lá de respeitável diante da imensa evasão de telespectadores que atingiu a TV aberta na última década.
Através da Grande Família, a TV manteve um elo com um dos mais profundos movimentos culturais do século XX. Oduvaldo Vianna Filho foi um dos responsáveis pela renovação do teatro brasileiro no final dos anos 1950 e início da década 60. Integrado ao esforço de mudanças que animava as parcelas mais dinâmicas do país naquela época, fez sua formação no Teatro de Arena de Augusto Boal, foi um dos fundadores do Teatro Paulista do Estudante e montou espetáculos que procuravam romper os esquemas da industria cultural para levar mensagens de forte conteúdo político aos trabalhadores e a população mais pobre. Depois do golpe de 64, Vianninha escreveu, dirigiu e/ou atuou em espetáculos como Opinião, Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come, que cumpriram um papel relevante na denúncia da ditadura. Dirigido para outro ambiente, em outra conjuntura, na qual a censura forte era um dado permanente da produção cultural, A Grande Família pode ser definida como a forma possível de resistência cultural na TV de seu tempo.

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3 comentários:

Anônimo disse...

Realmente um ótimo "sitcom", mas foi-se no momento mais oportuno.
Ultimamente já dava sinais de desgaste face à natural crise de criatividade que recai numa equipe de redatores com o tempo.
Por outro lado, pode ressurgir num "remake" daqui há alguns anos como aconteceu após a primeira fase de 73.

HAMILTON BRITO... disse...

O programa so se manteve nos últimos anos pela excelente qualidade dos seus atores.
O modus nao mudava, era sempre o mesmo esquema com troca das piadas. Assim mesmo ficou anos e inda dizem que à Globo so interessa faturamento. Ela vive do quê?
Mas gostei do ELO DE LIGAÇÃO do autor do texto

Anônimo disse...

Eu ia comentar o mesmo que foi dito aí em cima. Bom texto, mas é preciso corrigir o "elo de ligação".