O escritor Ferrez (Reginaldo Ferreira da Silva) estará em Araçatuba na 7.a Jornada de Literatura, promovida pela Secretaria Municipal de Cultura. Ele virá pelo programa Viagem Literária.
A palestra será na Biblioteca Municipal Rubens do Amaral, no dia 15/7, terça-feira, das 19h às 21h. Gratuito.
Livros de Ferrez, publicados:
Livros de Ferrez, publicados:
- Fortaleza da Desilusão 1997 – Poesia – edição do autor.
- Capão Pecado 2000 primeira impressão – Romance – Labortexto Editorial
- Capão Pecado 2000 Reimpressão – Romance – Labortexto Editorial
- Capão Pecado 2001 2ª Edição – substituições de textos dos participantes e das fotos.
- Capão Pecado 2002 2ª Edição – Reimpressão – mudança na ficha catalográfica.
- Capão Pecado 2003 2ª Edição – FNDE – Distribuído em escolas.
- Capão Pecado 2005 – edição revista pelo autor e com nova introdução – Objetiva.
- Capão Pecado 2006 – FNDE – Distribuído em escolas.
- Capão Pecado 2010 Reimpressão – Objetiva.
- Manual Prático do Ódio 2003 – Romance – Objetiva 2003
- Amanhecer Esmeralda – 2014 – Dsop – infantil
- Amanhecer Esmeralda 2005 – Infantil – FNDE – Objetiva.
- Literatura Marginal 2005 – Org. da coletânia de 10 autores – 2005 – Editora Ágir.
- Ninguém é inocente em São Paulo 2006 – Contos – Objetiva.
- Cronista de um tempo ruim 2010 – crônicas – Selo Povo
- Deus foi almoçar – Planeta – 2013 – Planeta
- O pote mágico – Infantil - 2013 – Planeta
- Amanhecer Esmeralda – 2014 – Infantil – Planeta
Para autor da periferia, a elite e a imprensa conseguem fazer com que o povo fique contra o povo. "O culpado é a vítima. Sempre"
MARINA ROSSI / ANTÔNIO JIMeNEZ BARCA São Paulo 27 ABR 2015
ENTREVISTA CONCEDIDA AO JORNAL EL PAÍS - ESPANHA
ENTREVISTA CONCEDIDA AO JORNAL EL PAÍS - ESPANHA
Ferrez. / FERNANDO CAVALCANTI |
"Vocês não vão fechar a minha loja, né? Aqui é o meu ganha pão", perguntou Ferrez, ao ver o cenário que o fotógrafo montava para fazer a foto ao lado, ocupando quase todo o espaço. O escritor acabava de chegar, pontualmente no horário combinado para essa entrevista, à sua loja, a 1DASUL, no Capão Redondo. O bairro, que fica a mais de uma hora de distância do centro de São Paulo, abriga a loja de roupas e acessórios que o escritor paulistano de 39 anos criou há 16 anos. "Livro não dá dinheiro, só dá Ibope", diz ele, que está publicando seu 11º livro, Os ricos também morrem, pela Editora Planeta. A pergunta, que assustou, foi seguida de piada.
Autor da chamada
'literatura marginal' ou 'literatura combativa' - ou os dois—, Ferrez
começou a escrever aos sete anos, copiando trechos da Bíblia porque "era o
único livro que eu tinha na mão". Aos 12, escrevia poesia. Em 1997, lançou
o primeiro livro de poemas. Seu pai, que foi motorista a vida toda, levou carne
para a família comer pela primeira vez quando Ferrez tinha 15 anos. A realidade
na periferia vivida pelo escritor é o que alimenta as linhas agressivas dos
seus textos. Crítico e ácido, Ferrez é também irônico e engraçado, características
muito expostas nos contos do novo livro.
Nasceu em Valo Velho, um bairro pertencente ao Capão
Redondo, na zona sul de São Paulo. Foi para o Capão aos três anos de idade,
onde vive até hoje com a mulher e uma filha. Não pensa em sair de lá, ainda que
seja um dos bairros mais perigosos de São Paulo. Pouco após o término desta
entrevista, houve um assassinato em uma rua próxima de onde estávamos, segundo
informava a rádio. Ferrez não cogita ir embora do bairro por duas razões: A
primeira é que "aqui eu sou importante. Em outro lugar, eu não sou
nada". E a segunda tem a ver com a sua própria literatura e sua própria
voz: "Daqui eu tiro o tom das minhas histórias".
Eu acho fantástico o poder da
mídia e da classe alta. Eles conseguem fazer com que o povo fique contra o povo
Pergunta. Seu novo livro é feito apenas de
contos inéditos?
Resposta. Não, já publiquei alguns. Mas eu fiz
esse livro para ser falado na rua, para ser uma piada. Eu queria sentir o que
eu senti quando escrevi Capão Pecado (seu primeiro romance,
publicado em 2000) e oManual Prático do Ódio (2003), que é ver as
pessoas comentarem sobre os personagens nas ruas...
P. Isso acontecia?
R. Muito. As pessoas me paravam na rua e diziam
“meu, e aquela mina é mó pilantra, traiu o cara...” Eu ia nas escolas e os
alunos me paravam para perguntar sobre um capítulo do livro. Me ligavam da
cadeia pra perguntar do Manual Prático do Ódio. Me diziam “mano,
não to entendendo, fala aí, o que que quer dizer isso?”. E eu dizia: mano, cê
tá falando de onde? De [presídio] Presidente Bernardes? Para, to fora”.
P. E você queria que isso acontecesse de novo?
R. Sim, porque deu saudade de ver as pessoas
comentando. O que eu tinha era isso, eu não tenho mais nada além de ver as
pessoas lendo as minhas histórias e comentando comigo. Eu cheguei a escrever um
livro com contos mais formais e tinha uns oito contos prontos.
P. Formais, você quer dizer com uma linguagem
menos coloquial que essa sua?
R. Isso. E aí eu estava numa festa e queria
fazer as pessoas rirem, e aí eu começava a dizer: “você viu a história do
Bolonha?”, aí eu contava a história do Bolonha, as pessoas começavam a rir... E
aí eu ia ler meus contos novos, esses mais formais, e ninguém prestava atenção.
E eu falava: O que foi? E as pessoas: Conta a história do Bolonha, mano. Mas
aquilo era uma brincadeira, eu dizia. Não, mas aquilo é mais da hora que isso
aí. Aí eu escrevi esses contos e passei a ler eles nas escolas. A história do pintinho
é a mesma coisa (um dos contos do novo livro). A história do ovo também é boa,
onde eu vou as pessoas pedem. Na Alemanha já me pediram “conta a história do
ovo”.
P. Mas são ficções então? Não são histórias
reais.
R. Não, mas eu pego o tom das pessoas.
P. É por isso que você precisa viver aqui no
Capão Redondo...
R. Isso. Eu não pego a história, eu pego o tom
das pessoas. Se uma mulher passa aqui [na padaria onde estávamos] e diz “para
de beijar o menino, tira essa boca de chupar rola do menino”, isso é muito
foda! (risos) Eu tenho que escrever um conto com isso. Se você falar
isso na escola, você ganha todo mundo. Eu fico convivendo com essa mulher
dentro de mim e incorporo nos contos.
P. Mas você tem um tipo de
literatura combativa...
R. Eu não fujo disso. Todo lugar que eu estou no
mundo, quando estou falando de literatura combativa, tem autor que diz que não
tem esse compromisso, que não é prisioneiro disso ou daquilo. Eu acho lindo
isso, mas não tem como você escrever uma coisa, sair na esquina, ver um cara
morto e não sentir nada. Se você consegue fazer isso, boa sorte. Mas eu não
consigo.
P. Sim, mas é um eterno debate entre os
escritores que não querem compromisso e os que querem mudar as coisas
através da literatura,
que é uma ideia velha... Na Europa, por exemplo, muita gente diz que ser
combativo na literatura é uma ideia velha, ultrapassada...
R. Mas agora que a Europa está entrando em
crise, talvez voltem a ser mais combativos. É que eles viveram da América
Latina por muito tempo, sugaram tudo o que a gente tinha em termos de ouro, de
madeira, levaram as nossas pedras pra lá pra fazer o chão onde hoje eles pisam,
passaram séculos sem trabalhar. Agora, talvez eles voltem a ser combativos.
R. Eu tenho prova [de que isso é possível] todas
os dias. Tem gente aqui que já está na segunda faculdade e o primeiro livro que
leu foi o meu. Eu não sou salvador de ninguém. Mas não sou o contraexemplo
também. O cara não vai me ver fumando maconha na rua, batendo na minha mulher.
Eu lido com criança também. Eu faço livro pra criança e tenho um projeto pra
criança. Se eu entrar para falar com a criança e estiver bêbado, que exemplo eu
vou estar dando? Todo mundo bebe na favela. Não precisam de mais um. Todo
escritor tem essa coisa de pagar de louco, beber, fumar. Mas aqui é outra
realidade. O moleque apanha do pai que bebe. Então não dá pra ser assim. De vez
em quando eu tomo uma cachaça com um amigo ou outro. Mas os caras aqui
ostentam. Porque tudo pra pobre é excesso. Ele tem que beber e encher essa mesa
de cerveja, pro vizinho dele ver e falar “porra, o cara tá abonado, bebendo 200
cervejas”.
P. Você disse no ano passado, em uma entrevista,
que “o
rolezinhoera só o começo”. No que mais deu esse movimento da periferia?
R. Eu acho que não é um movimento. É a aceitação
de um novo país. É as pessoas estarem preparadas para entender que tem gente
que ascendeu financeiramente e que tem que participar das coisas boas que
aquela faixa de consumo pode alcançar. Ter acesso ao shopping faz parte,
comprar tênis de marca faz parte, andar de avião faz parte. Tem um monte de
coisa que faz parte, só que a gente [a periferia] tem um jeito diferente de
fazer as coisas e essa elite vai ter que entender isso.
P. Todo mundo está falando da chegada de uma
crise econômica nesse momento. Como você, que além de escritor também é
empresário, sente isso? A crise chegou na favela?
80% das pessoas querem a redução
da maioridade penal. Claro. O cara assiste a quatro horas de Datena por dia. Eu
também iria querer.
R. Pra gente nunca foi fácil. Enquanto está todo
mundo falando que está bem, pra gente sempre foi pior. Mas de dezembro do ano
passado pra cá piorou muito. Hoje mesmo eu estava dando uma entrevista aqui e a
menina que trabalha aqui [na padaria] disse “fala aí na entrevista, que com
esse salário que eu recebo, eu não to conseguindo nem comer”. E é verdade. Tá
foda.
P. Tem muita gente sendo demitida?
R. Muita gente. Eu mesmo demiti, tive que
enxugar. Toda conversa que você tem aqui é de gente desesperada dizendo “porra,
não estava assim”. De cinco, seis meses pra cá, o negócio deu uma piorada.
P. É dessa situação que vem esse ataque de ódio
que o Governo vem sofrendo?
R. A direita teve que engolir o PT há muito
tempo, teve que engolir uma mudança no rumo social do país. Eles [a direita]
estão putos com isso até hoje. Você vê isso quando está num shopping. Eles
olham pra mim e olham pro meu povo de um jeito diferente. Se eu for com quatro
moleques pretos no shopping, isso causa. Fica todo mundo olhando. O cara não tá
mais acostumado a dividir o espaço dele.
P. Certa vez você disse que a periferia ficou
órfã do PT. Alguma coisa preenche esse espaço que o PT vem deixando?
Quando o cara diz que tem que
fazer e acontecer, daqui a dois meses morre um moleque assassinado na periferia
R. Estamos vivendo um hiato muito grande e um
momento histórico que pode ser muito traumático daqui pra frente. A gente tá
sendo massacrado pela polícia, não temos apoio da sociedade e ao mesmo tempo
tem muito de nós desistindo. E nós somos os comunicadores. Depois de nós vem o
funk, os moleques loucos de 16 anos que não têm mentalidade nenhuma e pregam a
ostentação. Eu to com muito medo só de a gente parar e esses moleques pegarem
essa mediação com a sociedade.
P. As igrejas evangélicas não fazem um pouco esse
papel de mediação?
R. A igreja evangélica fez o que a gente
prometeu fazer, que era mudar a periferia. Eles pegaram todos os moleques e
falaram “vão lá entregar jornal de graça pra gente”.
P. E você acha que a
influência da igreja é boa ou má?
R. É má. Até hoje eu não sei o que é pior: A
igreja ou a droga. O cara não pensa por ele. Quando o Silas Malafaia fala as
besteiras que ele fala, por exemplo, ele não sabe o que é ser homossexual na
periferia. Ele não sabe como o cara apanha, é mutilado, é tratado como lixo.
Ele não tem noção de como é criminosa a fala dele. Esses caras têm o dom da
palavra. E quando você tem o dom da palavra, você convence quem você quiser.
P. Mas esse espaço, preenchido seja pelo funk ou
seja pela igreja, sem vai existir....
R. Sempre. Mas é preciso haver uma mediação.
Quem vai mediar? É o dono de uma ONG xarope, que só quer ganhar dinheiro? Por
exemplo, eu pego um táxi. A maioria dos taxistas é de ultradireita. Aí eles
começam a falar da Dilma, reclamar, dizer que os moleques novos têm que
morrer... Eu já digo: para. Aí eles perguntam se eu sou do PT e eu digo: não
sou de nada. Só que eu não vou ficar engolindo as suas lorotas. Tô cansado. Ou
você dirige e fica na moral, ou você me ouve também, ou você para o carro que
eu vou descer. O moleque da periferia começa a morrer num diálogo desses.
P. Por quê?
- Redução
da maioridade penal põe especialistas contra a opinião da rua
- Letras
contra a homofobia e os preconceitos
- A
surpresa da literatura negra
- Meus
contistas preferidos
- Um
‘rolezinho’ no shopping JK contra a proibição dos ‘rolezinhos’
- A
periferia em versos
- O
Tea Party à brasileira
P. Por isso tem muito pobre que é contra o Bolsa Família?
R. É aí que eu acho fantástico o poder da mídia
e da classe alta. Eles conseguem fazer com que o povo fique contra o povo. O
culpado é a vítima. Sempre.
P. Não dá um desânimo?
R. Dá, pra caralho. Mas é o que eu tenho
(risos).
Um comentário:
Ferréz é um monstro literário..muito respeito e admiração..axé...Dox,Manos Urbanos.
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