AGENDA CULTURAL

12.9.15

Geraldo Vandré: uma canção interrompida

Hipóteses conturbadas e pouco explicadas da vida do compositor após o exílio atrapalham o conhecimento de sua obra
“Minha história é secundária”, disse em maio um incomodado Geraldo Vandré ao repórter Julio Maria, do jornal O Estado de S. Paulo, ao responder se o público não mereceria conhecer sua trajetória artística. Era um comentário sobre biografia não autorizada lançada um mês antes. Neste setembro, quando Geraldo Pedrosa de Araújo Dias (seu nome de batismo) completa 80 anos, serão lançados dois livros a seu respeito, de certa forma contestando a afirmação sobre a obra de sua criação.
Corte para a noite de 15 de agosto de 2014, no terminal rodoviário do Tietê, na zona norte de São Paulo. Em um espaço do maior terminal da América do Sul, fica um piano. Um anônimo senta, começa a tocar e logo junta uma pequena multidão em volta. Os acordes são reconhecidos de imediato. A letra é longa, mas alguns arriscam-se a cantar, conforme registro feito por um ouvinte que passava por ali. No final, o intérprete ganha aplausos.
Em outra escala, a cena se repete em 20 de junho último, na praça da República, centro paulistano, na abertura da Virada Cultural. O maestro Rui Torneze, da Orquestra Paulistana de Viola Caipira, anuncia o bis, para “cutucar o coração”. É a mesma composição tocada pelo pianista desconhecido, agora executada por dezenas de violas – instrumento para a qual a música foi concebida – e aplaudida com emoção ao final.
A música é Disparada, parceria de Vandré com o violonista Theo de Barros, nascida durante uma viagem a Catanduva, no interior paulista, em 1966. “Ele pegou a música caipira, juntou Guimarães Rosa e fez uma coisa completamente nova. Como obra de arte,Disparada talvez seja a música mais perfeita que o Brasil já produziu”, declarou, em depoimento, o jornalista e pesquisador Alberto Helena Jr., um dos primeiros a ouvir a canção.

Foi o primeiro e único caso de empate na chamada era dos festivais. Naquele 1966,Disparada e A Banda, de Chico Buarque, foram declaradas vencedoras no concurso da TV Record. Na verdade, A Banda havia vencido, mas o próprio Chico exigiu o empate, por considerar – até hoje – que Disparada era melhor. A canção foi defendida por Jair Rodrigues, em interpretação épica, mas que antes de acontecer foi vista com certa desconfiança por Vandré, por considerar Jair muito brincalhão. O primeiro encontro entre eles foi ríspido, mas depois de vê-lo cantando o autor deu um abraço de “quebrar ossos” no intérprete.
BIOGRAFIA E HISTÓRIA

O repórter Vitor Nuzzi lançou em abril o livro Geraldo Vandré – Uma Canção Interrompida, de forma independente e com tiragem limitada (100 exemplares). Primeira biografia do compositor, à qual o autor se dedicou por quase uma década, o livro está prestes a ser relançado, agora pela editora Kuarup.
Em 10 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma ação direta de inconstitucionalidade e pôs fim a uma espera de três anos, ao decidir que a publicação de biografias não exige autorização prévia. Todos os ministros acompanharam o voto da relatora, Cármen Lúcia. “Não é proibindo, recolhendo obras ou impedindo sua circulação, calando-se a palavra e amordaçando a história que se consegue cumprir a Constituição”, afirmou a juíza, acrescentando que cabe à Justiça reparar eventuais abusos.
“O mais é censura, e censura é uma forma de cala-boca.”


A polêmica é antiga, mas ganhou força em 2007, quando Roberto Carlos foi à Justiça para recolher livro escrito pelo biógrafo e professor Paulo Cesar de Araújo. A editora retirou o livro de circulação. Araújo promete relançá-lo, e até já assinou contrato com uma editora. Biografias são livros de história, e ninguém é dono da história, diz o escritor (leia entrevista publicada na edição 95).
O escritor Jorge Fernando dos Santos também lança uma biografia em setembro: Geraldo Vandré – O Homem que disse Nãopela Geração Editorial.

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