Hélio Consolaro*
Não sei, caro leitor, se você tem o costume de dar gorjetas
para garantir bons serviços. O sovino, o pão-duro não faz isso. Eu conheci esse
expediente com o finado Tio Dorinho, falecido há mais de 50 anos.
Quando voltávamos da escola, aquela meninada, a pé, andando
cinco quilômetros para e mais cinco para voltar para ter alguns ensinamentos,
naquela estrada arenosa, corríamos a abrir a porteira de seu sítio para que
passasse com o carrinho de leite (carroça com roda de pneu, cheia de latões de
leite)). Assim, não precisaria descer. Agradecido, ele jogava algumas moedas
pelo chão. Foi aí que conheci a gorjeta.
Nenhum dicionário define bem a gorjeta, etimologicamente alguns se limitam a dizer que
a origem da palavra é francesa. O lado bom da gorjeta está ligado à
hospitalidade no turismo. Nos Estados Unidos e Canadá, as gorjetas são
habituais e altas; já China, Japão e a Coréia do Sul não possuem o hábito de
gratificar um atendimento. No Brasil, ela é opcional por lei.
Lembrando as gorjetas Tio Dorinho vejo a gorjeta como
esmola, tanto que ela é sinônimo de espórtula.
Atualmente, garçons e frentistas de posto de combustíveis
são os mais beneficiados pela gorjeta, ela entra na composição salarial. Em
festa boca livre, em que há churrasqueiro, garçom ou outro tipo de serviçal, se
você ver, caro leitor, alguma mesa ser visitada a toda hora, com tratamento
preferencial, alguma cédula de dinheiro foi passada de uma mão para a outra no
cumprimento. São velhos conhecidos. Gorjeta também lembra propina, corrupção.
Tanto que “molhadela” (molhar a mão é sinônimo de gorjeta). O soldado pode
receber uma boa gorjeta para não multar infrator, por exemplo. O motorista pode
passar ao beneficiado uma revista, um livro, um jornal e dentro dele vai a
gorjeta.
Outro dia passei por uma experiência interessante. Além de
abastecer o carro, pedi ao frentista que jogasse uma água no vidro. Ele ia se
limitar a lavar os vidros. Como me viu mexendo na bolsa, à procura da carteira,
tratou de lavar quase o carro todo. Como não achei algum trocado, disse-lhe:
-
Companheiro, fico lhe devendo o cafezinho!
E saí com o carro. Pelo retrovisor, li em seus lábios as
palavras: fdp. Fui xingado injustamente, porque realmente estava com dinheiro
graúdo. Só faltava dar gorjeta usando o cartão bancário.
Só apresentei um lado, o de quem dá o gorjeta. Como será o
outro, quem recebe gorjetas polpudas ou uma miserinha. Se não der, vai mudar a
qualidade do serviço. Gorjeta faz parte do expediente de um bom profissional?
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e professor.
Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP
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