AGENDA CULTURAL

22.11.15

Je suis Mariana

Antonio Luceni* 

  
Claro que a vida, em qualquer lugar do mundo, deveria ser o mais importante e o que de prioritário aparecer em nossa lista do dia a dia. Claro que não dá pra fechar os olhos frente a tanta miséria humana. Gostaria de tratar ao menos de duas delas.

A primeira diz respeito à miséria da ganância; mais especificamente da ganância pelo dinheiro. E, infelizmente, essa tem tomado conta da vida de muitos de nós. E o pior, da maioria de nós.

Há algumas semanas tratei nessa coluna sobre a devastação que estão fazendo em Pontes de Lacerda, no Mato Grosso, num garimpo ilegal de ouro que está engolindo parte da floresta daquele lugar, além de problemas com erosão, agressão à fauna e à flora, mortes e tudo o mais. E, como disse na ocasião também, cada um de nós é responsável na medida em que compramos ouro, em que supervalorizamos esse tipo de metal, em que ostentamos seja lá o que for.


Muitos dos problemas sociais atuais, muitas das guerras e conflitos desse nosso planeta, grande parte da agressão sofrida pela natureza e pelas pessoas está relacionada ao metal vil. O caso horroroso ocorrido na semana passada em Marina, Minas Gerais, não foge muito disso. E não é somente a mineradora Samarco que se encontra nessa situação de despreparo. Há muitos relatórios, advertências de ONGs e dos Ministérios Públicos de muitas cidades e estados brasileiros antecipando tais tragédia (isso, segundo matérias veiculadas ao longo dos últimos dias por vários braços da imprensa nacional), inclusive em relação à própria Samarco. E por que ninguém toma providência; por que ninguém age antes de o pior ocorrer?

Um agravo ao meio ambiente (em seu sentido amplo) que não se restringe a apenas à região do acidente; antes, sai prejudicando centenas de milhares de pessoas ao longo do percurso do Rio Doce (que ironia cruel para com um nome tão sugestivo) e se estende até o oceano Atlântico, arrastando vidas e sonhos com ele.

A primeira – e tão grave quanto à segunda – a miséria de pessoas que se aproveitam do acidente para explorar o ser humano, seja sob forma de extorsão, taxando o valor da água, por exemplo, a algo exorbitante, seja para fazer “cena” frente à catástrofe, como boa hora para “se aparecer”.

O ser humano é o bicho mais cruel sobre a face da Terra; mas é também desse bicho que pode surgir a solução para muitas coisas, quando este não foca sua vida na ganância, na “exclusividade”, na “personalização” do ser.


Somos – ou deveríamos ser – todos Mariana. Conforme orienta Jesus, o Cristo, é o amor para com o “próximo” que deve prevalecer. É esse amor pode ser demonstrado sob várias formas: desde a proposta e execução de um projeto que dê conta de cumprir ao que se propôs, nesse caso o de ser, de fato, uma barragem; de uma fiscalização adequada e segura, usando de periodicidade e de um “plano B”, caso a barragem sofresse algum dano, como sofreu; até a recuperação (e isso será outro problema para os moradores do local, num primeiro momento, e para todos nós, passada a tempestade) de cidades, das matas e dos mananciais e oceano.

Logo terá uma partida de futebol que tirará o foco da imensa maioria de brasileiros sobre problemas tão sérios quanto os que passamos nos dias de hoje. Quantos são os políticos ligados à Samarco? Quais foram financiados por ela? Quais são os que ela irá procurar para que tudo caia no esquecimento? Creio, perguntas adequadas.


*Antonio Luceni é professor, jornalista e escritor. Membro da União Brasileira de Escritores – UBE e acadêmico da Academia Araçatubense de Letras – AAL.

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