A primeira vez que falou de sexo em casa, quando tinha 14 anos, Carolina* levou tapas e chineladas na bunda, dados pela mãe. Ela namorava há nove meses, tinha perdido a virgindade com o namorado e eles tinham terminado.

O caso pode parecer extremo, mas mostra o muro colocado dentro da família quando o assunto é as meninas fazerem sexo.
Texto: Nayra Lays
Fora de casa, temos acesso a todo tipo de informação; começamos a transar cedo, muitas vezes; e muitos de nós falamos de boa com nossos amigos sobre isso.
Já em casa, a regra é que as meninas se comportem como se não tivessem sexualidade nem compartilhem as dúvidas – o que a gente tem, especialmente na adolescência.
O resultado é que até hoje “rola insegurança quando preciso conversar sobre sexo em casa”.
Pais com vergonha
A dificuldade da mãe de Carolina de falar de sexo não nasceu com ela, o silêncio é algo comum nas famílias. Tem até pesquisas científicas que foram estudar esse tema como a “Conversas sobre sexualidade na família e gravidez na adolescência: a percepção dos pais”, de dois pesquisadores da Universidade do Rio Grande do Sul, Ana Cristina Garcia Dias e William B. Gomes.
Entrevistando oito famílias com filhas adolescentes grávidas, de baixa renda, eles viram que muitos pais travam na hora de falar sobre sexo com os filhos, principalmente por não saberem o que nós, jovens, pensamos sobre sexo.
A distância faz com que eles – isso mesmo, os pais – fiquem inseguros para conversar. Pra gente, que é jovem, é estranho pensar que seu pai ou sua mãe estão inseguros com você.
A pesquisa apontou também que a falta de diálogo vivida pelos pais quando eles eram adolescentes influenciam na falta de comunicação com os filhos quando o assunto é sexo.
É que, quanto menos se fala sobre sexo, mais fica difícil falar, mais ele vira tabu e assunto distante. E mais ele traz problemas porque não é consciente, tranquilo e respeitoso entre os parceiros. Aí menos se fala e a bola de neve só cresce.
Foi o que rolou com a mãe da Carolina*, Ana*. Ela engravidou aos 16 anos e o pai, que na época tinha 18, assumiu o bebê, mas foi preso cinco meses após o nascimento da filha.
Adolescente e sem a presença do pai, Ana se sentiu humilhada e só encontrou apoio em sua mãe, que ajuda a criar Carolina e suas irmãs até hoje, apesar do pai já estar em liberdade.
Carolina* acha que Ana* fugiu de falar de sexo na esperança de que o silêncio sobre o assunto protegesse a filha. “Ela sempre me diz que não quer que eu passe pelo que ela passou. É muito reservada para falar sobre sexo.”
Conversei com várias amigas pra saber se rola falar de sexo na família e a impressão foi sempre bem parecida com a da Carolina*. Parece que a lógica da Ana* é a de muitos pais: não falar sobre sexo poderia impedir que as meninas façam.


Foto: Stray-Ink92/CC-BY


E a dificuldade costuma ser maior pras meninas, pelo que ouvi perto de mim, já que os meninos têm uma iniciação sexual mais aberta – e muitas vezes cercada de cobrança.
Cristiano*, 16, percebe em casa essa diferença entre meninos e meninas. Com ele, sexo sempre foi um assunto tratado tranquilamente, já com a irmã mais velha fica a cobrança por “se guardar”. Enquanto ela foi ensinada que o sexo só deve fazer parte de sua vida depois do casamento, ele teve a primeira conversa aos 14 anos, iniciada pelo pai.
Fui perguntar a uma especialista no assunto se isso faz sentido. Elânia Francisca, educadora sexual, me disse que o efeito é contrário.
“Se a adolescente não encontra espaço de confiança em casa para falar sobre sexo sem ser julgada, ela certamente irá procurar em outro lugar: com amigos da mesma idade – e que também são inexperientes – ou até com adultos que não são tão confiáveis.”
É pra que o sexo seja natural, bonito e responsável que ele precisa entrar na conversa da família desde cedo, orienta Elânia.
“A sexualidade de meninas e meninos deve ser tratada antes da primeira relação sexual e aos poucos. Os pais precisam falar sobre sexo com os filhos desde a infância.”
Por mais que o assunto pareça difícil, o sexo tem que ser tratado como qualquer questão, com respeito, explica Elânia.
Eu, por exemplo, só comecei a falar sobre sexo em casa quando minha mãe colocou o assunto na roda e falou sobre a experiência dela quando era jovem.
Depois disso consigo vê-la como uma amiga e compreendi que não tem nada de errado em se ter sexualidade e falar sobre sexo. Hoje, me sinto mais à vontade para contar e perguntar e também deixo minha mãe à vontade para me orientar, colocando limite na minha privacidade.
Precisamos falar disso
Sexo é assunto de família, sim: é importante, inevitável e é preciso informação pra fazer direito. Por isso, vale lançar o assunto aos poucos e tentar tornar sexo o que ele é: natural – seja pra gente como filho ou pra eles como pais.
Se a conversa não rolar ou não for suficiente, busque gente mais experiente e de confiança pra tirar as dúvidas, diz a educadora sexual.
“Se, mesmo depois de tentar estabelecer diálogo com os pais aos poucos, a adolescente não conseguir, a melhor opção é procurar adultos de confiança, como profissionais da saúde e educação.”
* os nomes foram mudados pra preservar os entrevistados