AGENDA CULTURAL

13.3.16

Política não é briga de torcidas organizadas



Renato Ribeiro de Almeida* 

Na condição de professor universitário, a coisa mais importante que sei é que tenho uma grande responsabilidade. Apesar das dificuldades que a docência imprime, tenho consciência que minha voz é ouvida por muitos, especialmente quando ministro no curso de Direito. 

E ciente dessa responsabilidade não posso deixar de expressar minha opinião frente às manifestações políticas recentes. Tenho observado com grande preocupação o crescente discurso de ódio que envolve os oposicionistas e também os apoiadores do atual Governo Federal. 

De início, ressalto que todas as manifestações democráticas são bem-vindas em nosso país. Pessoas dedicaram suas vidas, e até suas mortes, para que na Constituição Federal fosse garantido o direito de manifestar o pensamento sem censura ou risco de prisão. 

Entretanto, manifestação política não se confunde com apologia ao crime, incitação à violência ou tentativa de humilhar e menosprezar aqueles que expressam opinião diferente da maioria. Como se sabe, problemas complexos não podem ser resolvidos com soluções simples, como por exemplo a aniquilação de um partido político ou a violação dos direitos e garantias fundamentais. 

Uma democracia se constrói pelo debate e pela união nacional em torno do compromisso de se fazer um país melhor. Mas a democracia brasileira padeceu, desde a redemocratização, de mazelas como o financiamento empresarial de campanhas, o paternalismo e patrimonialismo, em que impera a confusão promíscua entre o público e o privado. 

Manifestações como a desse final de semana devem ser aplaudidas quando solicitam o combate à corrupção e o mau uso dos recursos públicos. Mas precisam ser fortemente criticadas quando se transformam em ato de ódio contínuo a um partido específico, ignorando que por exemplo as três principais companhas presidenciais de 2014 (Dilma, Aécio e Marina) foram financiadas rigorosamente pelas mesmas empresas, a maior parte delas rés na chamada Operação Lava Jato. 

Comprovada a existência de corrupção, o bom senso esperado das pessoas de bem é que estejam atentas e exijam punições justas, garantido sempre o direito de defesa, sem iludirem-se com armadilhas tendentes a turvar a racionalidade. A mesma empresa acusada de doar um apartamento ao ex-presidente Lula é justamente uma das maiores financiadoras da campanha do adversário dos petistas Aécio Neves, por exemplo. 

As eleições ocorreram em 2014 e estamos às vésperas das eleições municipais de 2016. O clima de permanente confronto, típico de clássicos do mundo futebolístico em que opõem-se torcidas organizadas embaladas pela selvageria, não é benéfico nem à situação, tampouco favorece a oposição séria e responsável. Observa-se um governo que mal iniciou suas atividades e já foi abalado pela ameaça do impeachment, fato que compromete sua governabilidade e tomada inteligente de decisões. Enquanto a oposição, na constante disputa pelo poder, ataca e dificulta as atividades governamentais. Por outro lado o governo mantém-se focado em defender-se das acusações. Penso que é preciso estar com a mente aberta para perceber que enquanto grupos rivais dividem a opinião pública na tentativa de aniquilar o oponente, as decisões importantes e urgentes para o país são deixadas para depois. E o resultado disso é vivenciado por toda a população na forma de queda da qualidade de vida, recessão econômica e até no desemprego.

Nesse sentido, é ingênua a crença maniqueísta de que há apenas dois lados: um dos bandidos e outro dos heróis. Pensar assim é mais fácil e até reconfortante, mas continua sendo errado. Há pessoas boas e ruins todos os partidos políticos, em todas as religiões, em todas as escolas, times de futebol, empresas, rodas de amigos, etc. Retirar Dilma do poder não é garantia de que todos os problemas nacionais serão resolvidos. Na verdade, não é nem mesmo a garantia de que será o começo de algo melhor. Volto: problemas complexos jamais são resolvidos de forma simplória. Se fossem assim, óbvio, não seriam problemas complexos.

É contraditório e não racional atacar uns e proteger outros, como se os malfeitos de uns pudessem ser perdoados e os de outros não. É irracional insurgir-se contra a corrupção vestindo justamente a camiseta oficial da Seleção Brasileira, cujo ex-presidente da CBF permanece preso nos EUA justamente pela prática de corrupção. 

Especialmente aos estudiosos do Direito, não se pode admitir, jamais, que as paixões e preferências políticas abram brechas para que as regras sejam flexibilizadas para alguns e enrijecidas para outros. Nesse momento de tensão, a única garantia permanece sendo a Constituição Federal e a esperança na solidez das instituições. O Brasil é maior que os partidos políticos e suas brigas pelo poder.

* Renato Ribeiro de Almeida, professor de Direito e advogado

4 comentários:

Anônimo disse...

Certíssimo!

Antenor Rosalino disse...

Parabenizo o caro professor Renato Ribeiro por esse artigo bastante pertinente e oportuno. O combate à corrupção deve mesmo ser feito com todo rigor, mas com sensatez e, fundamentalmente, com respeito estrito às garantias constitucionais. Aplausos.

Unknown disse...

Quando da Proclamação da República Aristides Lobo escreveu: "O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava." Hj, o povo ficou muito esperto, ativista, com voz e conhecedor das tramas da história... SQN... Continua sem conhecer o que República significa, passou a se manifestar bestializado. Manifesta-se pela Ditadura, pelo direito de não ter direito. Manifesta-se contra o direito do outro de andar... Erguem-se bandeiras de "NãoVaiTerUber VaiTerLuta... Tratam o espaço público como área VIP de filiados a partidos políticos e taxistas, em plenos dias úteis... Se soubéssemos nos comportar na casa que é de todos, não necessitaríamos de gritos para alcançar corações surdos e distantes. Colocariamo- nos no lugar dos outros. E melhores tb elegeríamos melhor aqueles tais quais como nós.

Unknown disse...

Fico pensando pq se sabemos do certo pq as coisas dão tão errado? O fanatismo ou interesses escusos desviam as pessoas do olhar solidário e coletivo.