AGENDA CULTURAL

23.5.17

As cruzes das ruas de nossas cidades

Trânsito mata 44 pessoas na região de Araçatuba em quatro meses


Hélio Consolaro*

TEXTO DE JORNAL: a região de Araçatuba acumula 44 mortes por acidentes de trânsito nos primeiros quatro meses deste ano, de acordo com dados divulgados pelo Infosiga-SP, banco de dados que reúne informações de acidentes de trânsito de diversas fontes. Apesar de 11 pessoas terem perdido a vida em média por mês nos 43 municípios da região, o número é 15% menor do que o registrado no mesmo período do ano passado, segundo o levantamento. De janeiro a abril de 2016, a região registrou 52 mortes no trânsito. 

Em Araçatuba, de acordo com o levantamento, a redução nos óbitos envolvendo o trânsito foi ainda maior, somando sete casos, contra 13 nos primeiros quatro meses do ano passado, ou seja, redução de 46%. Em consulta ao Infomapa, que mostra a localização dos acidentes de trânsito que causaram óbito em todas as cidades do Estado, estão os sete ocorridos em Araçatuba (Folha da Região, 23/05/2017).


TEXTO DE HÉLIO CONSOLARO: a rua é um lugar misterioso, cada uma com sua personalidade. Nenhum cronista pode ser assim chamado se não cantar em seus parágrafos as ruas de sua cidade. Aliás, conhecemos o prefeito dela pelo estado de conservação das ruas.

Temos uma grande tipologia de ruas em nossas cidades. Há ruas onde só mora gente grã-fina; ruas apertadas de conjunto habitacional “Minha Casa, Minha Vida”; becos onde só entram, ninguém passa por eles; ruas ameaçadoras para quem circula por elas a pé; avenidas amplas, onde os carros são ligeiros, ruas prostitutas.

A grã-finagem não gosta das ruas, porque a rua não tem dono, é pública, um espaço democrático, onde o bêbado anda com passos livres. Quando a população quer protestar, vai para as ruas. Não é como nos condomínios cujas ruas têm donos.

 “Menino de rua”, “morador de rua”, “pôr na rua”. Tudo que não presta, joga-se na rua, mas é por ela que se dá acessibilidade às nossas casas, o nosso lar, a privacidade. A rua prova fisicamente que não se chega ao individual sem passar pelo social.

João do Rio, cronista do começo do século 20 do Rio de Janeiro publicou um livro de crônicas chamado “Alma encantadora das ruas”. Ele escreveu que as ruas estão para o homem urbano como as estradas são do homem social.

Podemos dizer que as ruas de Araçatuba são traiçoeiras, em cada esquina uma motocicleta tombada, um motociclista caído, gemendo. Se em cada morte ocorrida por acidente em suas esquinas, enfiássemos uma cruz, como se fazia nas estradas antigamente, a cidade pareceria com um cemitério.

Motoristas bêbados, gente que compra um carro sem ter condições de tirar uma carta de habilitação, estes são os assaltantes das ruas de Araçatuba.

As mortes no trânsito, como todas as outras, não são apenas estatísticas, elas podem significar filhos sem pai ou mãe, mães e pais desesperados, crianças órfãs. A notícia de mortes no trânsito do jornal não é apenas um texto, trata-se de um obituário.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. 

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