AGENDA CULTURAL

15.5.19

Onde fica o cemitério de livros?

Livros didáticos são jogados no lixo por escola de Araçatuba. O registro ocorreu no final da tarde de quinta-feira (14/09/2017), após denúncia de um leitor à redação. (Folha da Região, 15/09/2017)

Foto: Folha da Região
Livros descartados por escola de Araçatuba

Hélio Consolaro* 


Joga-se qualquer mídia fora, menos livros. Já joguei minhas fitas cassete, minhas fitas de vídeo, mas ninguém reclamou porque viu aquele monte de mídia obsoleta na calçada de minha casa. Ninguém pegou também. Tive que dar outro fim.  

Livro não fica desatualizado? Claro que sim. Não existe nada mais obsoleto do que uma enciclopédia Mirador da década de 80. Por que guardar aqueles volumes se as informações atualizadas estão todas na internet? A única justificativa para a guarda de quase 20 volumes seria uma apego afetivo. Onde fica o cemitério de livros, onde os livros acabam sua trajetória?

Quando algum leitor de uma família falece, mas não passou a seus descendentes o gosto pela leitura, os herdeiros procuram logo se desfazer do incômodo. Jogar fora os livros do morto é uma afronta, então, seus descendentes deixam o acervo da querida biblioteca, tão zelada e amada por seu dono, como doação a uma biblioteca pública.

A bibliotecária descobre tantos livros desatualizados, na grafia como no conteúdo, que aproveita poucos volumes, mais, os de caráter literário. Ela guarda os imprestáveis, há espaço para tanto?

Biblioteca pública não é museu de livros. Eles, certamente, vão para algum triturador de papel de um depósito de materiais recicláveis. Então, caro leitor, descobriu onde fica o cemitério de livros?

Há uma certa hipocrisia entre nós. Já li, não sei quem escreveu, que somente uma sociedade com índice alto de analfabetismo valoriza demasiadamente o livro (chega ao endeusamento), porque ele é um objeto de consumo inacessível para quem não sabe ler.

A notícia de a escola de Araçatuba ter descartado os livros de forma tão ostensiva levanta algumas perguntas:

1) Será que as autoridades estão comprando bem os livros necessários às escolas, não está havendo corrupção nessa compra também?

2) Em vez de biblioteca, as escolas têm sala de leitura, assim Governo do Estado e Prefeitura se desobrigam de contratar uma bibliotecária (formada) por escola, conforme determina a lei, que podia coordenar as atividades de leitura no educandário. Ter uma política de leitura não é apenas comprar livros, não é mesmo?


E assim outras perguntas poderiam ser feitas, porém, encerramos por aqui para não lhe cansar os olhos, caro leitor.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras.

Essa crônica está no livro "Analógicos & Digitais: crônicas de cidadania", de Hélio Consolaro(maio de 2019) 

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