Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP
Andava por uma avenida de minha cidade, quando o sinal fechou. E um sujeito pediu dinheiro para a picape da frente. A pobreza ficou mais intensa ultimamente.
O motorista abriu o vidro e deu ao morador de rua, sujeito marginalizado, sei lá como classificar o pedinte, não com uma moeda de 25 centavos, mas deu uma nota de dois reais.
Dois reais? Poderia ser uma de cem, pois suas colorações são parecidas. Não podia ser a maior, mas a menor, que já era um exagero. Eu não teria a coragem de dar como esmola dois reais, imagine cem!
Por que o motorista da picape deu dois reais? Falta de moedas? Ou ele quis deixar o pedinte contente. Arrumei uma desculpa para a minha avareza.
Na verdade, dou quase cem reais todo mês às entidades filantrópicas: Ritinha Prates, Asilo São Vicente, Aadefa e assim vai. Todo mês tocam a campainha lá de casa.
Mas o motorista caridoso não deve gostar de dar dinheiro a entidades, deve pensar: "seus dirigentes são todos ladrões". Faz caridade sem intermediário. Dizem que a gente julga os outros conforme agimos em nosso cotidiano. Então, será que o motorista caridoso é ladrão? Não sei, não o conheço.
Mas sempre houve pessoas que consideram ter a vida que ela mesma construiu sozinha. Tais criaturas não sabem (ou não têm consciência de) que o homem é um ser social, que seu café da manhã é resultado do trabalho coletivo (plantar o trigo, colher, moer, transportar, fazer o pão, pô-lo no balcão...), que mesmo pagando pelo pãozinho, seria uma lástima se não tivesse quem a fabricasse, ninguém come dinheiro.
Esse pessoal sem consciência coletiva não faz crônica no blog ou publica-a no jornal, ela é vomitada na mesa do boteco diariamente. Agora tem um tal de Facebook, Whatsaap que para muitos são conversas informais.
O mundo de pessoas assim são elas mesmas e os seus. Se o mundo acabar, dirá que se mudará para Portugal. A separação entre público e privado não tem muito sentido para elas. Se ganhou a eleição, tem que roubar mesmo...
O problema é que sempre os mais sabidos governaram, agora, num cochilo, a "plebe ignara" assumiu o poder, elegeu até presidente e a hipocrisia deixou de ser regra, o negócio é falar na cara. Nada de racionalidade.
O sinal abriu. A picape acelerou, eu a segui enquanto o destino foi comum. Lá mais adiante, cada um pegou um rumo diferente.
Estou contando o caso aqui, para você, caro leitor, porque certamente o motorista da picape fará isso numa roda de amigos, falando alguns palavrões. E concluirá: "Se é para dar dinheiro pra pobre, que seja feito direto, sem passar por outras mãos".
E assim estamos vivendo com cara de paisagem. Os votos inválidos dominando os válidos.
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