AGENDA CULTURAL

22.8.19

Eu escrevo - Tacilim Oréfice


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Importante não é o que se diz, e sim, haja sempre alguém falando. O silêncio é um grande crime, pois significa solidão e medo.” Rollo May

      Vejo, como ondas de tempos em tempos, enxurradas de posts no Facebook sobre algo que está acontecendo. O mesmo que acontece com os memes que estão em alta, acontece com os eventos que assolam nosso país. Por um tempo eu fiz o mesmo, compartilhando, mais de uma vez, mensagens de apoio, frases de famosos, vídeos, opiniões, notícias, etc. Até que eu percebi que parecia um bardo antigo, cantando os grandes feitos dos antigos e seus grandes feitos, mas sem qualquer utilidade prática. Exceto a incitação de discussões ferradas e exposição de opiniões a favor ou contrárias que geravam discórdia, não consegui alcançar nada com isso – embora tenha tido sucesso em procrastinar meus serviços.

      A verdade foi brutal: nada disso significava alguma coisa.

      As poucas situações em que fazia alguma diferença, era quando compartilhava algo sobre um evento que eu ia participar e as pessoas poderiam ir presencialmente nele. Ou seja, como meio de divulgação e venda, o compartilhamento de posts é maravilhoso e eficiente. Afinal, essa é a finalidade da maioria das plataformas de redes sociais, hoje, na internet: venda de produtos e serviços. O Facebook é uma plataforma onde, para quem tem páginas de venda, impulsionar e, para isso, precisa pagar, etc, etc, etc...

      Nas palavras de Joseph Conrad: “E eu era ainda suficientemente jovem, estava ainda demais deste lado da linha de sombra, para não ficar surpreso e indignado com tais coisas.” (A Linha de Sombra – Joseph Conrad).

      O tempo passou, a ficha caiu e… O que fazer?

      Cresci acreditando que poderia fazer o que eu quisesse com o mundo. A verdade é que, vindos de uma geração onde não se podia fazer muita coisa exceto estudar e pensar num futuro melhor, nossos pais – da geração da década de 90 – fizeram de tudo para que seus filhos tivessem o melhor que os pais deles não puderam dar e a liberdade que eles nunca tiveram. O mundo é nosso… e daí?

      A internet, velha amiga, com quem crescemos desde sempre, nos possibilitou conhecer o mundo, ler sobre acontecimentos ao redor do globo e saber sobre feitos incríveis ou tenebrosos de todos os tempos, lugares, culturas e pessoas. O que era para ser uma ferramenta de estudo e auxilio de trabalho, se transformou em um tutor e um disseminador de ideias. Ideias perigosas como: existe um garoto na China que tem cinco anos e já é milionário, o que você está fazendo com a sua vida?

      Bem… Eu não posso dizer que não sei, pois, meus pais, me deram liberdade para escolher e eu sei o caminho que eu quero. Mesmo que não seja o caso, tenho que fazer o possível para parecer que eu sei. Perfeito, agora posso tirar uma foto e colocar uma legenda esperta e estou fazendo parte do mundo, estou modificando-o e alterando-o pra valer. É isso! Problema solucionado… Só que não.

      Então deparei-me com o livro “O Homem à procura de si mesmo” de Rollo May. Em sua brilhante pesquisa psicológica, ele traça os principais problemas do homem moderno e, como parte desse homem moderno, me deparei com todos os problemas que assolam não só a minha vida como a de muitos amigos, colegas e pessoas que fazem parte da mesma geração. Entre tantas outras ele destaca: o vazio, a solidão, a ansiedade...

      E, em suas palavras: “Todo ser humano adquire grande parte do senso de sua própria realidade pelo que os outros dizem e pensam a seu respeito. [...] Muita gente vive assim, tateando como cego, tocando uma sucessão de pessoas.”. Assim, as redes sociais são armadilhas para muitas pessoas que se prendem a fantasia do que está acontecendo virtualmente e não ao que realmente está acontecendo.

      Conheci um professor numa escola de artes que estava na Coreia do Sul em um intercâmbio, bem na época em que se falava sobre a invasão e ameaça da Coreia do Norte. Lembro-me dessa época, pois um amigo meu disse que o mundo estava acabando e que iria começar a Terceira Guerra Mundial. E, anos depois, esse professor me disse: “Para eles, não foi nada demais. Não significava nada para eles. Estavam ca#@*%$ para a Coreia do Norte e andando de bicicleta na fronteira sossegados…”. Ou seja, como diria Rollo: 

“Os que vivem uma existência vazia suportam a monotonia somente com uma explosão ocasional – ou pelo menos identificando-se com a explosão de alguém.”

Pois olhamos vídeos e mostramos imagens ou piadas como se fossem feitas por nós mesmos e não por outras pessoas. Nos identificamos com o que está a nossa volta e tentamos sentir mais completos, preenchendo o vazio com a vida de outras pessoas.

      Enfim… Da mesma forma que exageram sobre acontecimentos que só parecem muito graves, minimizam acontecimentos que são extremamente graves:

      “Quando a pessoa está cercada de cordialidade, imersa no grupo, é reabsorvida, como se voltasse ao ventre materno, em simbologia analítica. Temporariamente esquece a solidão, embora ao preço da renúncia à sua existência como personalidade independente. Perde assim a única coisa que a ajudaria positivamente a vencer a solidão a longo prazo, isto é, o desenvolvimento de seus recursos interiores, da força e do senso de direção, para usá-los como base de um relacionamento significativo com os outros seres humanos. Os homens ‘empalhados’ acabam por tornar-se ainda mais solitários, por mais que se apoiem nos outros, pois gente vazia não possui a base necessária para aprender a amar.”

      E assim, infelizmente:

      “No final, o que temos é o nosso vazio coletivo. [...] Basta lembrar que o vazio ético e emocional da sociedade europeia, há duas ou três décadas, foi um convite aberto ao surgimento de ditadores fascistas. O grande perigo desta situação de vácuo e impotência é conduzir, mais cedo ou mais tarde, à ansiedade e ao desespero e finalmente, se não corrigida, ao desperdício e ao bloqueio das mais preciosas qualidades do ser humano. Os resultados finais serão a redução e o empobrecimento psicológico, ou então a sujeição a uma autoridade destrutiva.”

      Nunca me encaixei na sociedade. Embora converse com todos e consiga me enturmar com qualquer grupo, tenho uma tremenda dificuldade em me sentir parte de algo. Esse vazio, essa solidão, é real e faz parte de nós, nesse exato momento. Ao não falarmos sobre elas, estamos sendo coniventes com vontades de outras pessoas que sabem exatamente o que querem, mesmo que não se importem com as consequências para alcançar seus objetivos. Pensando em tudo isso, lembrando da última vez que escrevi algo nessa linha com “Abuso psicológico contra as pessoas”, pensei: o que eu realmente posso fazer de diferente, de real ou concreto? Ora… Eu escrevo.

      Essa é a minha paixão, é o que faz o meu ser vibrar, é o que preenche o meu vazio, acalma minha ansiedade e me faz sentir parte de algo maior. E, diferente do paliativo de uma postagem em alguma rede social, eu sinto que estou alcançando algumas pessoas e auxiliando-as de alguma forma, com minhas histórias.

Seja identificando-se com essa dor ou auxiliando a enxergar uma perspectiva de vida diferente do que atualmente se vive, pois, muitas vezes, somos obrigados a viver uma vida e ficar, o tempo todo, pensando em como seria diferente ou que poderíamos fazer fora dela. “E se vivêssemos diferentes?” e eu digo: “A mesma força que utiliza para suportar o inferno poderia ser utilizada para sair dele.”. Então, escreva, pinte, cante, dance, processe alguma empresa, faça aquilo que te enche de emoção, que te cura e faça ser verdadeiro com quem você é. Afinal, a força da internet pode, sim, fazer com que mude a ideia de muitas pessoas e alcance pessoas que possam realmente fazer alguma diferença na nossa realidade, mas, de vez em quando, devemos nos perguntar: o que eu posso fazer de verdade?

Bem… Eu escrevo.

Tacilim Oréfice, 29 anos, professor de História, arte-finalista, diagramador de livros, escritor. 

tacilim.1990@gmail.com 

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