No meio do debate
sobre porquê lemos fantasia ele disse:
“Se você é um
prisioneiro, não importando se você é culpado ou inocente do crime, você vai
querer, mais do que qualquer coisa no mundo, escapar desse lugar. A literatura
fantástica e de ficção cientifica nos diz que há uma possibilidade de escapar
desse delírio e dessa ilusão (referindo-se à realidade). Pois existe um
sonhador maior e estamos nesse Sonho. Todas as culturas antigas nos contam
isso.” (Tradução livre do inglês).
Seguindo sua
lógica ele me fez perceber que se utilizamos a literatura como escapismo da
realidade, isso significa que nos vemos como prisioneiros dela – da realidade –
e, por tanto, existe um carcereiro em algum lugar que nos colocou aqui, mas…
quem? Ao me questionar isso, percebi que eu mesmo sou o próprio culpado por me
“aprisionar”.
Podemos pensar que é culpa de outros que nos fazem mal, de Deus,
ou qualquer outra entidade cósmica. Contudo, se pensarmos com sinceridade,
vamos perceber que fomos nós mesmos que nos colocamos na posição de
“prisioneiros” e que precisamos “escapar” dessa prisão.
Então,
retrocedendo um pouco, o que é Fantasia afinal?
Uma rápida busca
no Google nos mostra que Fantasia, segundo seu dicionário, significa: “1)
faculdade de imaginar, de criar pela imaginação; 2) obra criada pela
imaginação”. Ou seja, estamos nos distanciando do sentido literário, pois,
embora a Fantasia seja “apenas” criar algo com a imaginação, existe também a
obra criada pelo conjunto que a imaginação pode compilar. Assim, na Wikipédia,
encontramos (ao buscar pelo gênero Fantasia, em uma lista com um monte de
outras coisas que se chamam Fantasia):
“Fantasia é um
gênero da ficção em que se usa geralmente fenômenos sobrenaturais, mágicos e
outros como um elemento primário do enredo, tema ou configuração. Muitas obras
dentro do gênero ocorrem em mundos imaginários onde há criaturas mágicas e
itens mágicos. Geralmente a fantasia distingue-se dos gêneros ficção científica
e horror pela expectativa de que ele dirige claramente de temas científicos e
macabros, respectivamente, embora haja uma grande sobreposição entre os três,
todos os quais são subgêneros da ficção especulativa.”
Entre as
subdivisões que encontramos na Fantasia, podemos destacar:
- Fantasia
sombria (fantasia que envolve elementos do terror)
- Alta fantasia (fantasia que ocorre em mundos alternativos)
- Baixa fantasia (Fantasia que ocorre no mundo real)
- Fantasia romântica (fantasia com temas românticos,
geralmente amor ou drama)
- Fantasia científica (fantasia com ficção científica)
Se pegarmos a “Alta Fantasia” vemos obras como “O Senhor dos
Anéis” de J.R.R. Tolkien ou “As Crônicas de Nárnia” de C.S. Lewis. Já a “Baixa
Fantasia” vemos obras como “O Sítio do Pica Pau Amarelo” de Monteiro Lobato ou
“Harry Potter” de J.K. Rowling.
Em ambos os casos, somos transportados para um
outro mundo de possibilidades, um dentro da nossa própria realidade e outro
completamente fora dela e, mesmo assim, nos sentimos em casa e acolhidos por
uma “realidade” que não só parece plausível como real e, para muitos, eles
querem viver nesses lugares e fugir da realidade.
Alguns o fazem.
Na Nova Zelândia, existem os locais de filmagem dos filmes do “Senhor dos Anéis”
e do “O Hobbit”. As pessoas foram e passaram a morar na cidade-cenário que foi
construída para o filme. E o mesmo fazem as pessoas que usam cosplay nos
eventos nerds e geeks que crescem a cada dia como a CCXP – Comic Con Experience
ou a original na Califórnia que a inspirou. De todas as formas, as pessoas
precisam e tentam “fugir” de suas realidades.
Contudo, essa é
apenas uma perspectiva da Fantasia: a fuga.
Parafraseando
Neil Gaiman: “nós (autores) contrabandeamos pequenas partes da realidade para
as nossas histórias.”. E é verdade, se observarmos atentamente, veremos pessoas
que conhecemos, veremos cidades, locações, dramas reais e bem presentes em
nossas vidas. Embora a Fantasia pareça completamente distante de nossa
realidade, ela nada mais é do que a nossa própria realidade revestida com uma
metáfora, com a aura de magia e coisas impossíveis.
No meu TCC
“Viagem à Inglaterra e à Escócia: uma perspectiva do século XIX” do curso de
História, abordei o tema literatura e história. Analisei o livro “Viagem à Inglaterra e à Escócia” de Júlio Verne e percebi que toda a ideia que ele tinha
da Inglaterra, como autor francês, vinham de outros autores ingleses e ele só
se “revelava” como francês no momento em que comparava a Inglaterra com a
França. Ou seja, nós somos “prisioneiros” da realidade que nos cerca e ela serve
não só de inspiração, mas como base para podermos criar qualquer fantasia que a
nossa imaginação possa conceber.
Se avançarmos um
pouco mais, vamos nos deparar com Freud e Jung em cada uma das histórias e
vamos nos surpreender em como buscamos “solucionar” nossos problemas através da
leitura. Nós nos identificamos tanto com os personagens e suas aventuras que
queremos viver junto com eles. O que não percebemos é que já estamos vivendo o
que eles estão vivendo e não sabíamos como colocar para fora. Muitas vezes não
é porque não sabemos o que é, mas sim por termos medo de encarar essa
realidade.
Enfrentar um
dragão parece muito mais acolhedor do que dizer que temos medo dos nossos
próprios pais ou chefes. Uma jornada tortuosa por montanhas, rios e pântanos pestilentos
parece mais agradável do que dizer que o caminho de casa para a escola ou o
serviço é exatamente igual. E, certamente, encarar um livro que lhe é proposta
uma solução para aquele problema e que, muitas vezes, terá um final feliz,
ajuda muito mais do que olhar para a nossa própria vida e pensar em uma solução
para os nossos próprios problemas.
Não nos foi
ensinado a solucionar problemas ou entender a realidade. Não, foi preciso uma
pessoa audaciosa olhar para a Primeira e Segunda Guerra Mundial e criar “O
Senhor dos Anéis” para que conseguíssemos entender o que aconteceu realmente.
Foi preciso alguém imaginar em bruxas, dragões e outras tantas criaturas para
identificarmos aquelas pessoas tóxicas que parecem sugar nossa alegria, nos
assombrar e nos incutir medo e desesperança. Foi preciso escrever mais Fantasia
para que ainda tivéssemos esperança na humanidade e acreditássemos que a
realidade que criaram para nós viver possa ser mudada e possa nos ensinar como
fazer isso, livro a livro.
Pois, se pararmos mesmo para pensar, estamos tentando
solucionar os problemas com a ferramenta que as criou: nossa própria mente. E
não está funcionando. Quem sabe, através das artes, possamos dar lugar para
outra ferramenta agir: nossos sentimentos. Afinal, é por isso que lemos
Fantasia. Para rir, para chorar, para nos identificar, ter mais empatia e mudar
por dentro e, depois, o mundo, quando voltamos daquela realidade com um tesouro
melhor do que qualquer tesouro que o protagonista possa ter encontrado: esperança.
*Tacilim Oréfice, professor de História, arte-finalista, diagramador de livros, escritor.
Um comentário:
Sim amigo!
A realidade é sombria em determinados momentos, talvez mais do que a fantasia,viajar pela beleza da literatura fantástica,nos remete a uma lembrança inocênte que já vivenciamos em determinados momentos.
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