AGENDA CULTURAL

24.12.20

Os dentes caem na covid? - Alberto Consolaro

 A forma expulsiva dos dentes monoradiculados explicam algumas saídas súbitas dos dentes para fora dos alvéolos ósseo

Talidomida era para grávidas, evitava vômitos e as deixavam tranquilas. Nos animais não provoca efeito colateral e sua ação teratogênica só ocorre em humanos. Quase banida, provocou comoção mundial pelas 12 mil crianças nascidas sem membros ou cérebro. A covid já matou milhões.

Antes que MacBride, médico australiano, relacionasse a talidomida com as anomalias, um médico alemão precipitado logo publicou artigo e deu seu nome para a doença: “síndrome de Weidemann”. Depois, foi um vexame. Não nos precipitemos na descrição das doenças e técnicas novas.

Há “notícias” de pessoas que após a covid, perderam um ou outro dente que saía do osso sem causa aparente. São relatos fortuitos de pessoas que os repórteres perguntavam para um profissional explicar “precipitadamente” que na covid haveria também microtrombos e microêmbolos no ligamento periodontal que une o dente ao osso. Muitas pessoas me perguntam: pode isto? Me senti ao lado de Galvão Bueno: pode isto, Arnaldo?

CAUSAS

A perda súbita de um dente ao sair do alvéolo sem muito sangramento pode ocorrer quando:

1º. For um dente decíduo cuja raiz reabsorvida ficou muito curta, podendo se soltar frente a um alimento duro ou pequena batida conhecida como concussão.

2º. Se for dente permanente que ainda não completou sua formação, a raiz pode estar mais curta e o osso flexível. Frente a uma batida pequena, o dente pode ser expulso.

3º. Se o dente for monoradiculado, o ligamento pode não segurar o dente no alvéolo em casos de moldagens/moldeiras e, acidentalmente, o dente sai na mão do profissional, especialmente pré-molares inferiores. Felizmente ocorre raramente!

4º. Dente com periodontite significa que há perda de suporte ósseo. O paciente nem sabe que tem pela aparência, mas o dente ficou sem boa parte do osso. Um esforço maior na alimentação, pode levar a perda do dente como ao morder uma bala de menta!

5º. Um acidente frequente é o traumatismo de dentes durante os procedimentos de anestesia geral e intubação pela boca, inclusive para outros fins como dar função respiratória. Na hora, o que vale é salvar a vida do paciente; se o laringoscópio, tubos e outros apetrechos bater nos dentes, naquele momento não é prioritário! Em muitos casos, os dentes ficam com mobilidade e ninguém percebe, nem o paciente que está inconsciente, como os de covid.

6º. Durante a internação para terapia intensiva, os pacientes precisam ter a boca higienizada e quem faz isso são cirurgiões dentistas, fisioterapeutas, enfermeiras e outros. Mas, a higienização nunca é igual a feita pelo próprio paciente consciente. Isto agrava certas situações que o paciente já tinha como gengivites e periodontites.

7º. Pequenas batidas ou concussões podem lesar seriamente os tecidos dentários e periodontais como abrir garrafas com os dentes ou outras embalagens. O dente pode sair do alvéolo ou ficar lá justaposto. Ao chegar em casa, o dente sai na mão!

8º. Violência doméstica e urbana gera situações de constrangimentos e podem fazer com que as pessoas mintam ao relatar o ocorrido para outra pessoa. A covid pode servir de desculpa para justificar estas perdas dentárias.

REFLEXÃO FINAL

Os trombos e êmbolos da covid também ocorreriam nos vasos do ligamento periodontal e o dente ficaria solto? Teoricamente poderiam, apesar: (1) do ligamento periodontal ter metade do seu volume ocupado por vasos, (2) dele ter várias fontes sanguíneas e (3) ser um evento fácil de se confirmar com 32 dentes em cada boca e milhões de pessoas afetadas, mas não se têm relatos nas revistas científicas.

Antes de se atribuir a perda súbita de dentes à covid, precisamos descartar todas as outras possibilidades. Nas análises das “notícias” sobre o assunto, não seria difícil achar outra causa para a perda destes dentes: sejamos rigorosos nas análises!

Alberto Consolaro – Professor Titular da USP -FOB Bauru-SP - consolaro@uol.com.br


 


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