Se vivo fosse, Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto, teria hoje 98 anos vendo uma enxurrada de besteirol e suas ficções escritas há quase 60 anos se tornando realidade. O carioca de espírito inquieto era o que atualmente se chama artista multimídia: jornalista, cronista, humorista, escritor, compositor, teatrólogo e nas horas de folga fazia bico de escriturário no Banco do Brasil. Tinha criatividade rara e irreverência nata.
Nos anos 1960, principalmente após o golpe
de 64, que ele chamava de “redentora”, a “revolução” que salvaria o Brasil de
todos os males, Stanislaw Ponte Preta publicou na imprensa carioca a coluna
Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País). Ferino, usava o besteirol da
época, principalmente quando cometidos por milicos, como fermento para suas
crônicas, que apimentava com tiradas de humor. Criou personagens, como Tia
Zulmira, Primo Altamirando e Rosamundo para “noticiar” as pérolas
redentoristas.
Foram destaques no Febeapá, entre as
infinidades de exemplos, um alto funcionário do governo federal que
sugeriu a proibição da venda de vodca para combater o comunismo; funcionários
da Sudene que propuseram, em nome dos ideais nacionalistas, que o sutiã
passasse a se chamar porta-seios; um delegado de polícia de Mariana (MG) que
baixou portaria obrigando as moças a terem autorização dos pais para entrar no
cinema. Também se tornou folclórica a história de um general que queria prender
o pensador grego Sófocles, morto 405 anos a.C, por considerar subversiva sua
peça teatral em exibição no Rio de Janeiro.
Qualquer semelhança com os dias atuais é
mera coincidência, haja vista que há cinco anos “arrojados patriotas defensores
da moral e dos bons costumes” impuseram ao país uma nova “redentora”, capaz de
ressuscitar o Febeapá. Stanislaw Ponte Preta não imaginava, mesmo no auge
de sua criatividade, que em pleno século 21 a TV Globo seria acusada de
comunista. Ah, e que o nazismo é uma ideologia de esquerda.
A Tia Zulmira teria chilique ao assistir
manifestantes da extrema direita de Goiânia (GO) entoarem “Pra não dizer que
não falei das flores”, de Vandré; ou “cidadãos de bem” pedindo a volta do AI-5
para garantir a democracia; racismo reverso; mamadeira de piroca ou a máxima de
que comunistas criaram a ideologia de gênero para destruir as famílias
“cristãs”. E mais: o povo negro foi amaldiçoado por Noé.
O Primo Altamirando
ficaria estupefato com a bandeira do Estado de Israel em “passeatas cristãs”
para, em seguida, o soprador de berrante afagar uma alemã defensora do
nazismo. Rosamundo ficaria boquiaberto com Araçatuba (fenômeno em Febeapá)
bombando em todo o País: um grupo de “sem noção” marchando em continência à
estátua da Havan, matando de vergonha araçatubenses que moram neste Brasilzão
afora.
Stanislaw Ponte Preta infelizmente morreu jovem, aos 45 anos, de infarto. O multimídia era também um exímio frasista: “Imbecil não tem tédio”. O irreverente cunhou uma que explica nossa agonia: “A prosperidade de certos homens públicos no Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento”.
(*) Antônio Reis é jornalista e ativista do Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras (AAL).
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