AGENDA CULTURAL

3.8.21

O novo Febeapá - Antônio Reis

Se vivo fosse, Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto, teria hoje 98 anos vendo uma enxurrada de besteirol e suas ficções escritas há quase 60 anos se tornando realidade. O carioca de espírito inquieto era o que atualmente se chama artista multimídia: jornalista, cronista, humorista, escritor, compositor, teatrólogo e nas horas de folga fazia bico de escriturário no Banco do Brasil. Tinha criatividade rara e irreverência nata.

Nos anos 1960, principalmente após o golpe de 64, que ele chamava de “redentora”, a “revolução” que salvaria o Brasil de todos os males, Stanislaw Ponte Preta publicou na imprensa carioca a coluna Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País). Ferino, usava o besteirol da época, principalmente quando cometidos por milicos, como fermento para suas crônicas, que apimentava com tiradas de humor. Criou personagens, como Tia Zulmira, Primo Altamirando e Rosamundo para “noticiar” as pérolas redentoristas. 

Foram destaques no Febeapá, entre as infinidades de exemplos, um alto funcionário do governo federal que sugeriu a proibição da venda de vodca para combater o comunismo; funcionários da Sudene que propuseram, em nome dos ideais nacionalistas, que o sutiã passasse a se chamar porta-seios; um delegado de polícia de Mariana (MG) que baixou portaria obrigando as moças a terem autorização dos pais para entrar no cinema. Também se tornou folclórica a história de um general que queria prender o pensador grego Sófocles, morto 405 anos a.C, por considerar subversiva sua peça teatral em exibição no Rio de Janeiro.

Qualquer semelhança com os dias atuais é mera coincidência, haja vista que há cinco anos “arrojados patriotas defensores da moral e dos bons costumes” impuseram ao país uma nova “redentora”, capaz de ressuscitar o Febeapá. Stanislaw Ponte Preta não imaginava, mesmo no auge de sua criatividade, que em pleno século 21 a TV Globo seria acusada de comunista. Ah, e que o nazismo é uma ideologia de esquerda.

A Tia Zulmira teria chilique ao assistir manifestantes da extrema direita de Goiânia (GO) entoarem “Pra não dizer que não falei das flores”, de Vandré; ou “cidadãos de bem” pedindo a volta do AI-5 para garantir a democracia; racismo reverso; mamadeira de piroca ou a máxima de que comunistas criaram a ideologia de gênero para destruir as famílias “cristãs”. E mais: o povo negro foi amaldiçoado por Noé.

O Primo Altamirando ficaria estupefato com a bandeira do Estado de Israel em “passeatas cristãs” para, em seguida, o soprador de berrante afagar uma alemã defensora do nazismo. Rosamundo ficaria boquiaberto com Araçatuba (fenômeno em Febeapá) bombando em todo o País: um grupo de “sem noção” marchando em continência à estátua da Havan, matando de vergonha araçatubenses que moram neste Brasilzão afora.

Stanislaw Ponte Preta infelizmente morreu jovem, aos 45 anos, de infarto. O multimídia era também um exímio frasista: “Imbecil não tem tédio”. O irreverente cunhou uma que explica nossa agonia: “A prosperidade de certos homens públicos no Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento”. 


(*) Antônio Reis é jornalista e ativista do Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras (AAL).



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