Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP
A poesia não é a chuva, é o barulho da chuva - Ondjaki
A chuva já não faz barulho no telhado como fora na infância, mas os pingos caem no corredor, parecendo uma canção de ninar. Eu me encolho debaixo da colcha de retalhos.
Quem mora em apartamento, nem sabe quando está chovendo. As águas pluviais significam várias coisas, depende do lugar em que cada um está no mundo. Quem mora em área de risco nas cidades reza para espantar a chuva.
Eu me sinto contente com a chuva, estou confortável numa cama, tenho uma casa, minha família está protegida também noutras casas, mas a chuva pode ser destruição.
Quando a gente avança na idade, as pequenas coisas ganham um grande significado. Se na infância é gostoso brincar na chuva; na velhice, se proteger dela é muito bom. Causa contentamento.
Se na juventude, eu queria mudar o mundo com volúpia, como se fosse um trator, achando tudo errado, agora, aos 70 anos, já me coloco na minha insignificância, preciso primeiro mudar a mim mesmo.
Mas também não me arrependo de minha fogosidade juvenil, pois o segredo da vida é aprender com os erros. Se sou isso que sou, porque fui aquilo que fui. Ninguém chega pronto no final da estrada, a viagem é um processo.
Quando a Helena me chama: "O almoço está pronto!" - cozinhar é o seu hobby - vejo aquela mesa posta com muito amor apenas para dois. Ainda tenho quem põe a mesa para mim. Não sei quem de nós, eu ou ela, vai ter que preparar o banquete apenas para si mesmo. Será uma tristeza.
Às vezes, me sinto egoísta usufruindo dessa alegria, deste conforto, tudo muito simples: aurea mediocritas; minha consciência está uma pena, porque quando tinha vigor, não deixei ninguém para trás, alegando que a carga era pesada.
Cadê a chuva? Não vem! Como viver? Espantar a chuva não é andar de guarda-chuva em tempo seco, é destruir a natureza, não deixar o outro viver, essas maldades que fazemos coletivamente. As bênçãos do céu estão vindo em forma de labaredas.
2 comentários:
Chuva é benção, só nos preocupamos quando o rio está diminuindo.Ela vem no tempo certo,e a falta dela nos ensina uma lição que somos dependentes dela para sobreviver.
Belo texto, vou me apropriar de partes, para minhas futuras análises desde triste cotidiano infurnado.
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