AGENDA CULTURAL

28.1.22

Covid e hanseníase: a ignorância maldosa - Alberto Consolaro

 

Comparar o isolamento da covid-19 com a segregação da hanseníase é inacreditável!

 Apenas no renascimento se pode estudar o corpo humano com as dissecações do belga Vesalius e seu livro até hoje inigualável “Sobre a estrutura do corpo humano” de 1543. Apenas na época dos descobrimentos foram permitidas as dissecações, pois o corpo humano era sagrado e inviolável na Idade Média.

Na época, não havia pessoas preparadas para dissecar e dar nomes aos órgãos, partes e tecidos. Muitos anatomistas eram botânicos que transferiam a metodologia de estudo das plantas para o homem. Assim surgiram nomes que até hoje teimam em existir como amígdala significa amêndoa pequena, mas tem ainda a úvula, a maça do rosto, a batata da perna e até o pomo de Adão.

Alguns mais imediatistas reclamam que os nomes das partes do corpo e das doenças mudam muito e que poderia ser mais estável. Claro que não, nós e ciência evoluímos e precisamos nos adaptar e atualizar nossos registros e formas de se referir.

HISTÓRIA TRISTE

Há pessoas, cujo processo de mudança foi há séculos, mas elas não mudam e nem se atualizariam por uma questão de atraso mental! Nos tempos bíblicos, a medicina era primitiva e naquela época qualquer doença de pele era chamada e considerada “lepra”. Isto ocorreu com a psoríase, líquen plano, vitiligo, furúnculos, alopécias viroses, micoses e outras doenças infecciosas.

Hoje, pelas descrições estudadas sugere-se quais doenças se estavam referindo naquele texto bíblico. Muitas doenças são cíclicas como a psoríase que desaparece com a exposição solar e controle do estresse emocional. Ou ocorre com o herpes e o zoster que dura semanas e some com ou sem dor residual. Mas todas estas doenças eram chamadas de “lepra” e seus desaparecimentos são considerados curas milagrosas.

A hanseníase ou mal de Hansen é uma doença bacteriana infecciosa, que requer contato prolongado e próximo para se transmitir de uma pessoa para outra, que tem remédio para a cura e controle. E mais, as pessoas que contraem a doença não precisam mais ficar segregadas ou isoladas do convívio familiar e social, muito pelo contrário. Durante o tratamento e controle devem estar inseridas na sociedade.

O termo “lepra” há muitas décadas atrás, deixou de ser usado pois foi transformado e degenerado pelo uso intenso pelos leigos de forma pejorativa e inadequada, quase se transformando em xingamento e preconceito. Seu uso foi recomendado ser abandonado pela triste história que passaram os hansenianos quanto a sua dor, segregação e abandono. Vários “leprosários” ou vilas onde viviam, ainda hoje, persistem com suas casas e estruturas que contam a triste história desta doença.

Usar o termo “lepra” nos dias de hoje denota um total atraso e ignorância. Não saber não é pecado para um cidadão comum. Se não sabe sobre o assunto, é melhor permanecer calado e se informar, pois é comum o ignorante machucar as pessoas com colocações grosseiras e inoportunas. E, para se desculpar, ainda se diverte dizendo que deu um fora! Mas foras ofendem e machucam pessoas! Se não se aceita isto no cidadão comum, imagine quando ocorre, e ocorreu, com o presidente de república.

REFLEXÃO FINAL

Somente pessoas sem qualquer noção histórica e cultural poderia comparar o isolamento social recomendado para controlar a pandemia da Covid com a segregação aplicada aos hansenianos e ainda chamando a doença de “lepra”! Os hansenianos eram separados a vida inteira de sua família, amigos e trabalho!

A comparação presidencial foi impactante e lamentável. 

 Alberto Consolaro - professor titular
pela USP - consolaro@uol.com.br

 


 

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