O que caracteriza a ética culta e civilizada é a sua fundamentação na prudência como hábito reiterado do saber (virtude é um hábito reiterado e bom), do conhecimento dos princípios, meios e fins, e inclui, subordinadamente, a sabedoria, a ciência, a filosofia, etc. Funda-se na moderação, no manter-se equilibradamente entre os excessos contrários, pois o vício, como hábito continuado do que é mau, pode surgir, também, de uma virtude tomada em excesso.
A moderação é a temperança nas paixões, o evitar-se os excessos, o saber
manter-se no meio-termo justo e bom. Por isso a moderação exige também a
justiça, o reconhecimento do que é devido à natureza das coisas, o respeito aos
seus direitos, a ausência da lesão ao direito alheio, o saber dar a cada um o
que lhe cabe. E exige ainda coragem, ânimo forte, a capacidade para saber
arrostar os riscos, que a prática do bem pode exigir, sem cair nos excessos da
temeridade e da audácia. Vê-se, assim, que a prudência precisa dos freios da
moderação, da iluminação, da justiça e da força, da coragem, como a moderação
necessita o auxílio da prudência, os limites da justiça, a coragem que faz
vencer os ímpetos exagerados, e a coragem o conhecimento da prudência, os
freios da moderação, a visão clara da justiça. Todas essas virtudes cooperam
entre si para dar os melhores resultados. Soltas, são incompletas; cooperando,
são poderosas. O homem verdadeiramente culto
sabe dosar seus atos. O bárbaro, não. Esse se deixa arrastar pelos
excessos da coragem que o levam à temeridade, à audácia; pelos excessos da
prudência, que o tornam astucioso, manhoso; pelos desvios da justiça, que o
tornam cruel, inclemente; pelos desvios da moderação, que o levam à ira, à
cólera, à destruição.
Que nos mostra o espetáculo de hoje? Não há exemplos viciosos que se
repetem e se multiplicam? Bárbaros intramuros... É mister apontá-los, e
apontá-los até dentro de nós, porque em nossos momentos de fraqueza e de
desfalecimento somos bárbaros também. Que cada um faça seu exame de consciência
e compreenda que não há nessas atitudes nenhuma grandeza, pois a temeridade e a
audácia bárbaras não são manifestações de força, mas apenas de fraqueza na
capacidade inibidora; revelam apenas que aquele que os sofre é um fraco em sua
vontade e em sua inteligência. Por isso é presa fácil de suas paixões e de sua
concupiscência. Só os fortes, só os corajosos são moderados e prudentes, porque
tais virtudes exigem mais inteligência e vontade do que deixar desencadear as
forças primitivas.
Dizia Nietzsche, e nisto ele era bem cristão, que o homem de real valor
não é aquele que levanta o gládio e desfecha o golpe, mas aquele que, sendo
capaz de levantar o gládio, não fere e perdoa.
A ética do bárbaro é a ética do dente por dente, do olho por olho. É a
ética da vingança, é a norma do que deseja apenas o castigo, do sádico que só
se satisfaz ao ver o adversário morder o pó da derrota. Não é o que vence e dá
a mão para levantar o vencido. Não é o que busca a solução que o tornará amigo
de seus semelhantes. Não é o que ama, mas o que odeia.
O bárbaro ameaça a nossa ética. Invade todos os caminhos, penetra nos lares, nas escolas. Quer estabelecer a sua grandeza na sua miséria, proclama a sua força onde essa não está, aponta a sua exaltação, quando ela é depressão, e quando julga olhar a sua altura apenas está vendo o vale, em cujos pântanos ele perdura. Seus voos são apenas saltos de sapos, ou arrancos de fera, nunca o voo das aves que invadem o azul do céu e que são símbolos da grandeza e da inteligência humana.
Gervásio Antônio Consolaro, diretor da AFRESP, ex-delegado regional tributário, auditor fiscal da receita estadual aposentado, formado em administração, ciências contábeis e bacharel em Direito.
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