AGENDA CULTURAL

1.2.23

Novela "O bem-amado" completa 50 anos

 


Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP  

Em 1973,  há 50 anos, o Brasil era governado pela ditadura militar, tinha como presidente o general Ernesto Geisel. Começava-se a crise do petróleo e o álcool extraído da cana passou a ser uma alternativa de combustível.

Em 19/02/1972, O Brasil inaugurou a TV em cores, transmitindo a Festa Nacional da Uva, de Caxias do Sul-RS. E este cronista morava em Rosana-SP, um distrito do município de Teodoro Sampaio, com três mil habitantes, onde havia quatro aparelhos de TV em preto e branco, chuviscado, que captava sinais da TV Tibagi-PR, repetidora da Globo. 

Só comprei um televisor em cores em 1982, já morando em Araçatuba-SP. Naquela época, eu não era tão ligado à televisão como sou hoje. Meu filho Hélder, com dois anos de idade, quebrou o braço ao festejar, pulando de alegria por um aparelho tão refinado. 

As reações de quem via TV em cores pela primeira vez: "Mas é uma beleza!", "O céu fica igualzinho, e a grama fica verde mesmo", "Parece um milagre". "Se eu não tivesse vendo, não acreditaria". Expressões de alegria. 

Um ano depois, a Globo lança a primeira novela em cores: "O bem-amado", de Dias Gomes. Deixava-se a novela exótica, folhetinesca, onde havia masmorras, megeras que gargalhavam, e passava-se a retratar na tela colorida a realidade brasileira.   

"O bem-amado" era a primeira novela a ser exportada, sendo o Uruguai o primeiro país a importar a obra. Na latino-américa, a novela só não foi repetida na Venezuela.  

Foi uma época em que os profissionais do teatro passaram para a teledramaturgia, se misturando com o pessoal advindo das novelas radiofônicas. Dois motivos: cansaço da perseguição da ditadura militar e melhora do cachê. 

Alfredo de Freitas Dias Gomes (1922-1999) era um baiano da Ilha de Itamaracá, que serviu de base para a Sucupira da novela, era um inquieto como todo intelectual. Acusado de comunista, sem ter lido nada de Karl Marx. Casou-se com Janete Clair em 1950, também novelista, mas de temas mais suaves. Dias Gomes era um apaixonado pela dramaturgia, autor do filme premiado no Festival Cannes de 1962 "O pagador de promessa" e outras novelas.

Como afirmou a professora Ana Maria de Medeiros, autora do trabalho acadêmico "Uma metáfora do Brasil", Dias Gomes em "O bem-amado" apresentava o país de forma fantasmagórica, por meio de um realismo mágico. Odorico Paraguaçu e Zeca Diabo eram personagens distorcidas, apresentadas assim para revelar a realidade da política brasileira. Como afirmava Anatol Rosenfeld, nada melhor para apresentar fielmente a realidade do que lentes distorcidas.

"Vote num homem sério e ganha um cemitério" era o lema da campanha eleitoral de Odorico, já que os mortos de Sucupira eram sepultados no município vizinho. Eleito. Cemitério pronto, ninguém morria para que o prefeito fizesse uma grande inauguração.

A novela foi profética, previu que 50 anos depois ia surgir Bolsonaro. Para alegria do prefeito, surgiu uma epidemia. A inauguração do cemitério ficou mais próxima. E ele dão queria vacinar as pessoas, pois precisava de um morto para inaugurar o cemitério. O seu assessor, Dirceu Borboleta dizia que isso podia provocar muitas mortes. Antecipando Bolsonaro na covid 19, Odorico respondia: "E daí?".     

"O bem-amado" não nasceu novela, em sua primeira versão, era um conto. Em 1961, transformou-se numa peça teatral; e, 1980, era um texto em capítulos; 1973, novela na rede Globo; em 2010, filme. Seus capítulos eram submetidos à tesoura da censura.

A telenovela se transformou em símbolo da dramaturgia brasileira. Dias Gomes abriu a Globo para as obras de Jorge Amado, por elas passamos a discutir os problemas nacionais. Na época, se não houvesse um personagem coronel, o dono das terras, a "novela não prestava". 

OBS: resumo de uma roda de conversa em reunião da Academia Araçatubense de Letras.

Um comentário:

Anônimo disse...

Assisti a novela, foi muito Interessante.poderia repetir .Lembro que o personagem Odorico espiava de um buraco do quarto a moça que estava morando parede de meia com a casa dele....