AGENDA CULTURAL

18.11.23

A função terapêutica da literatura

Vaca sagrada na Índia

Hélio Consolaro*

Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da manada
(Caetano Veloso)

Na Academia Araçatubense de Letras, trabalho diretamente com o escritor: com o Grupo Experimental e com a editora da entidade. Entre nós, não há nenhum são, mas alguns mais doidos do que os outros.

No meio dos vários membros, há aqueles que chegaram até o Grupo Experimental por recomendação médica. Você precisa ter um hobby, botar suas angústias pra fora, deixar o coração tomar conta de seu corpo. E lá estão!

O problema é que o poeta Tito Damazo, fã incondicional de João Cabral, fala descaradamente: para fazer poesia não precisa inspiração, nem coração (estou exagerando). Aí escuto um bochicho na plateia: “não liga não, o Tito é outro doido da turma!”  

Hoje se escrevem menos poemas, por exemplo, mas o problema não é a internet, como afirmam as teses mais rasas. A causa maior são os remédios que os psicóticos tomam atualmente.

Em vez de fazer arte, escrever, pintar (como se fazia antigamente), a pessoa vai à farmácia, ao psiquiatra. Em vez de matar alguém, faça um poema, pinte um quadro.

Charles Bukowski (1920-1994), escritor norte-americano de origem alemã, escreveu um livro chamado “Escrever para não enlouquecer”, que pode ser encontrado no Amazon. Ler também tem a mesma função. Deu insônia, vá ler que o sono chega. O resultado de tudo isso é a catarse: alívio prazeroso.

Mas não é só isso, a literatura tem mais funções: os estudiosos da área costumam dividi-las em cinco grupos — catártica, estética, cognitiva, político-social e lúdica.

ESTÉTICA: o escritor deve construir o seu texto com beleza que leva o leitor ao encantamento. Que coisa mais linda!

COGNITIVA: tanto escrever como ler leva escritor e leitor à reflexão, chegam a aprender sozinho. De repente, o cara é um filósofo, formata o cérebro para a escrita.

POLÍTICO-SOCIAL: o escritor transmite ao leitor a sua ideologia, suas experiências na sociedade com o ato de escrever; aprender a criar personagens, a lidar com a diversidade. O leitor aprende a ver que cada pessoa é diferente, cada povo com sua cultura, passa a ter uma visão plural de mundo. 

LÚDICA: não só para a criança, também para o adulto, a leitura é um passatempo. Romances policiais, histórias encantadoras. E ao escrever, o escritor também vai rindo com suas construções. Escrever não é se martirizar.

DETALHANDO, ESCREVER E LER: reduz os sintomas de ansiedade e depressão; melhora o funcionamento imunológico; reduz o estresse físico; reduz o medo; melhora as funções cognitivas; ajuda a obter uma nova perspectiva sobre uma situação difícil; melhora relacionamentos.

Para ser escritor, literatura no sentido artístico (poemas, crônicas, contos, romances), não precisa fazer curso de letras. A pessoa precisa ter uma visão mais ampla do mundo, mais plural, aceitar o outro como é, viver e deixar o outro a viver também. Ter a cabeça acima da manada, ser vaca profana.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP, Penápolis-SP e Itaperuna-RJ.

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