AGENDA CULTURAL

29.7.24

As aulas de literatura

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP 

Já lecionei em escola particular em que alunos faziam juntos o ensino médio e o ensino médio profissionalizante, curso noturno com cinco aulas noturnas durante a semana e mais sete no sábado, das 7h às 13h. E havia uma aula de literatura, de 45 minutos, na grade curricular, incluindo o processo de avaliação.

A escola implantou essa inovação, eu fui o professor chamado para dar essa aulinha semanal de Literatura, isto é, abrir veredas. Geralmente ela era a última aula do dia, ou no sábado. Nas primeiras vezes, os alunos me perguntavam revoltados: "Para que serve literatura?"

Eu explicava que era uma exigência das autoridades educacionais e que a escola, certamente, estava preocupada com a formação integral dos alunos. E terminava: "Vou me esforçar para que gostem de literatura".

O professor Tito Damazo, fazendo suas caminhadas noturnas, às vezes, passava pela calçada da escola e comentava comigo depois que me ouvia esgoelando literatura.   

Eu resumia romances, como motivação para a leitura, de forma dramatizada, criando suspense. Atualizava a história para nossos dias. O professor de Literatura precisa gostar de ler, fazer transferências de aprendizagem.

Dava prova do livro com permissão de consultar a obra, mas quem não havia lido, não achava as respostas. Alguns alunos não me perdoavam: "O senhor é um fdp, não tem jeito de fazer a prova sem pelo menos ter lido por cima o livro". As notas dos enganadores não eram boas. Eu era cruel! 

Outras vezes, emprestava fitas de vídeo com o filme baseado no livro. Há muitos. Eu tinha caixas e caixas de fitas VHS. Hoje temos o YouTube.

Ou então dava o endereço do site onde se encontrava o resumo da obra. Podia consultar o resumo durante a prova. O aluno aprendia fazendo a prova.

Exagerando, havia aluno que lia grosseiramente o livro na hora da prova, tinha um pouco mais de preparo. Havia um barulho de páginas se mexendo. Só não podia colar respostas de colegas e nem emprestar material de consulta.

Desse jeito, eu me sentia ter alcançado os objetivos. Cem por cento passaram a saber que havia tal livro, que no Brasil havia a História da Literatura Brasileira e 30% liam o livro por meu estímulo. No final do primeiro ano, muitos já diziam que a tal literatura era um negócio importante.

Hoje encontro tais jovens já adultos, homens e mulheres, e recordam com saudade esse meu jeito de ensinar. Não exijo condições ideais para ensinar, basta o aluno se esforçar, mostrar interesse. O professor que não sabe por que existe literatura, não lê livros, é um enganador, uma enganadora. Fiz o possível. Hoje estou aposentado, lendo em livros digitais, sem obrigação profissional.

 

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