AGENDA CULTURAL

12.3.24

Crônicas de viagem

 

Fachada de loja de venda de maconha em  Juan Pedro Caballero, Paraguai

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Os antigos cronistas surgiram com as viagens marítimas, acompanhando as naus portuguesas pelos mares bravios. Pero Vaz de Caminha, por exemplo, escreveu a certidão de nascimento do Brasil por meio de uma carta, pois ele era o assessor de imprensa do rei de Portugal, Dom Manuel. Uma nau voltou com a carta, não havia internet.

Hoje, o que sobrou do antigo cronista é que ele é uma espécie de escritor de confiança de alguns leitores, escreve sobre tudo. Para ter assunto, viaja. Eu, por exemplo, gosto de participar de excursões organizadas em ônibus por maluco (ou maluca) qualquer, como o Joaquim Nunes. Mando meus textos por internet.

Adentrei ônibus leito para o Pantanal, região que ainda não conhecia, saindo de Araçatuba-SP. Cumprimentei meus futuros companheiros de viagem, passaríamos dez dias naquela nave terrestre.

Mal começava a viagem, quando ouvi uma senhora, bem ao banco lado, depois do corredor me dizer:

- O senhor se parece com o Hélio Consolaro.

- Não pareço, sou o próprio - respondi-lhe.

Ela se apresentou como Gersina Pereira do Nascimento, 69 anos, e que este cronista fazia parte da vida dela. Olhei, não era nenhuma ex-namorada.

-Como? - perguntei surpreso.

- O senhor atropelou com sua moto minha filha há muito tempo. Hoje, ela tem 40 anos. 

Realmente, tive motos. Consultei meus arquivos de memória, não achei tal desastre.

E continuou:

- Eu ia saindo com ela da Creche Santa Clara de Assis, segurando-a pela mão, quando escapou com sua vivacidade e avançou na frente de sua moto, dirigida por você. Não houve tempo de brecar o veículo, mas o senhor fez tudo, quase caiu, assim mesmo encostou nela. Com a queda, a Aline afundou um dente de leite. 

E continuou:

- Mas o dentista consultado disse que aquele dente seria expelido oportunamente e um outro viria. E assim aconteceu. Hoje, a Aline, uma mulher "guerreira", está com todos os dentes. 

Rimos. Recuperei a narrativa perdida. Uma história de final feliz, como aquela iniciada por Pero Vaz de Caminha, apesar dos erros de português. 

NÃO PRECISA VIAJAR MUITO

Para conhecer uma loja especializada na venda da maconha, é só sair de Ponta Porã atravessar a Linha Internacional e pôr o pé em Juan Pedro Caballero. A dona da loja é uma senhora bem apessoada. Todos os produtos derivados da cannabis estão expostos em vitrines. A própria erva também.

É possível não ser incomodado pela polícia. A avenida fronteira derruba todas as cercas. É proibido proibir. Por outros motivos (a erva-mate), Ponta Porã é chamada de Princesinha dos Ervais.

9.3.24

Só nas casas! E nas ruas? - Alberto Consolaro

Imagens comuns de calçadas, sarjetas e asfalto nas ruas das cidades e com potenciais criadouros do mosquito da dengue!

Vamos com calma, liguei a câmara do celular. Estou focando no pavimento asfáltico e nas sarjetas das ruas e avenidas. É muito buraco, buracões e buraquinhos, e em cada um pode ficar muitos ovos do mosquito da dengue por um ano, e qualquer chuva volta a formar a poça e soltar as larvas.

São remendos e serviços malfeitos, também pelo desgaste do tempo, com margens cheios de fissuras e áreas quebradas. São sarjetas que ficam com poças de água parada por semanas. E os bueiros que vivem molhados com sarjetas cheias de água parada e limpa? Não vejo nenhum agente de saúde verificar se tem larvas nestes locais nas reportagens. Será que resolveria jogar areia nestes locais para não acumular água ou seria preciso reparos mais definitivos?

E a câmera continua ligada, e agora, filmando as calçadas que revelam a mesma coisa, muitos buracos, buracões, buraquinhos e contendo água limpa empoçada por horas, dias, meses e até anos. Se secar, os ovos podem ficar ali e conseguem reviver até por um ano. Nova chuva volta a formar e os ovos se arrebentam em larvas e mosquitos da dengue como fogos de artificio de um ano novo.

Todos ficam focados nos quintais, mas o problema pode estar nas ruas, calçadas e sarjetas, sem contar os bancos, muretas, aparelhos de ginástica, brinquedos, vasos, jardins, mercados, estátuas, monumentos e outros detalhes de qualquer logradouro público, como estádios, escolas, passarelas, fontes, estacionamentos etc.

E MAIS ...

A câmera ligada está focando nas garrafas viradas para não deixar água acumulada, mas onde estão as tampinhas destas garrafas. Cada tampa representa uma piscina ideal para crescimento das larvas do mosquito. Respondam por gentileza, onde estão estas tampinhas, cheias ou vazias?

As ruas e calçadas ficam dias, semanas e meses as sujeiras com embalagens, plásticos de bombons e muitos recipientes que acumulam água como as tampinhas. E ninguém limpa! Nos terrenos baldios também, ninguém faz reportagem sobre agentes de saúde e fiscais multando os que ficam cheios de buracos, buraquinhos, embalagem, plantas, pedras etc.

Por acaso alguém já reparou nos buraquinhos, buracões e buracos que tem nos postes da rede pública? E nos transformadores? Já repararam nas tampas dos esgotos nas ruas como são irregulares estas tampas e as margens que as rodeiam; com certeza tem criadouros por ali. E nas caixas e suas tampas das instalações de telefone, caixas de parte elétrica e hidráulica que povoam nossas calçadas e ruas?

Chega! Meu celular está carregado de tantas fotos documentando tudo isto e já me avisou que o sistema está sobrecarregado, e olha que só dei uma volta no quarteirão de casa. Imagine a cidade inteira! Tente fotografar os possíveis criadores das calçadas, sarjetas e pavimentos no quarteirão de sua casa: é de ficar assustado! As calçadas, guias e pavimentos das ruas são quase sempre lamentáveis.

REFLEXÃO FINAL

1. Tenta se passar a impressão de que o problemas da dengue são as casas e seus habitantes, mas a culpa deve ser metade/metade pela existência de criadores do mosquito da dengue, zika, chicungunha e outras doenças que precisam de vetores, nos logradouros públicos como ruas, praças, parques e prédios comerciais.

2. O mosquito da dengue não é bom de voo como um pernilongo. Será que ele entra nas casas pelos vizinhos ou pela frente da casa nas ruas? Onde as pessoas são mais picadas por ele: nas ruas e locais públicos ou nas suas casas?

3. Os locais públicos podem ser muito mais ricos em criadouros do que imaginamos. Se aguçássemos nosso senso de observação nos potenciais criadouros de mosquitos de logradouros públicos, teríamos um melhor controle da epidemia?

Reflitamos e cobremos!    

Alberto Consolaro 

Professor Titular da USP  
FOB de Bauru 

consolaro@uol.com.br   


Relógio de pulso: quem domina quem? - Alberto Consolaro

Presentear com relógio de pulso é dar a ele uma pessoa para comandar!

Insistem em me presentear com relógios de pulso! Foi um xará, Santos Dumont, que “inventou” o relógio de pulso.  Xará é sinônimo de homônimo e vem do tupi “xa’ra” ou “aquele que leva o meu nome”.

Usar relógio de pulso me parece um costume anacrônico, apesar do “Apple Watch” e similares. Já dei e ganhei alguns relógios de pulso, e os usei por um tempo muito curto. Os relógios parecem coleiras, cada vez mais eletrônicas, ligadas à internet. Na verdade, parecem tornozeleiras!

Algumas coisas nos impulsionam, sem que saibamos as causas. Um amigo disse que, após ler um dos contos de Julio Cortázar, nunca mais usou relógios de pulso e muito menos presentou alguém! Ao acessar o livro “Histórias de cronópios e de famas”, me pus a ler sem parar o conto “Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio” e me deliciei.

DOMINAÇÃO

A partir da leitura deste conto, refleti e descobri muita coisa. Quando lhe dão um relógio de pulso, na verdade estão dando você a um dono. Pode até atrapalhar a sua felicidade, mesmo se a marca for muito boa com rubis e diamantes.

É você que leva o relógio de pulso para passear, mas é ele que toma conta de você lhe dando a obsessão de olhar a hora certa nas paredes, no computador e no celular. Você que o cuida para não ser roubado, não cair no chão ou se quebrar, e ainda lhe impõe o costume de comparar seu relógio de pulso com os de outros. Quando lhe dão um relógio de pulso, o presente é você para o relógio, não se esqueça disto!

Segundo Cortázar, dá para cortar o encanto e o domínio do relógio de pulso sobre você: não lhe dê mais corda ou então, tire-lhe a bateria. E agora, a cada coisa esquecida pela liberdade conseguida pela ruptura com o relógio de pulso, lhe enferrujará as peças e começará a corroer as veias de suas engrenagens e circuitos, gangrenando o sangue frio dos rubis, quartzos e chips.

 A partir de agora, um outro tempo e horizonte se abrirão: as árvores soltarão suas folhas, os barcos correrão em regata, o tempo como um leque vai se enchendo de si mesmo e dele brotarão o ar, as brisas da terra, podendo-se ver a sombra de uma mulher e o perfume de um pão que acabou de sair do forno, tudo sem hora marcada!

LIBERTAÇÃO

A ruptura e a morte do relógio de pulso, nos mostrarão que se não corrermos, chegaremos antes e compreenderemos que o tempo não tem importância. Eu tinha vários relógios guardados e os joguei fora, pois não quero escravizar ninguém!

Um relógio de pulso lhe propicia apenas um pseudo-organização! Deve ser por isso que Salvador Dali detonou vários relógios, deformando-os nas telas. No livro “Ansiedade”, Augusto Cury descreveu a Síndrome do Pensamento Acelerado que está associada ao tempo, ao relógio e às cobranças. A cada página uma lembrança de vida. Ainda bem que descobri isso, mas se tivesse refletido isso mais cedo na vida, teria sido melhor!

O conteúdo de um jornal de domingo é maior do que o nosso principal escritor Machado de Assis leu durante a sua vida. Temos um excesso de informação que não se consegue acompanhar tudo no tempo do relógio, sobrando a sensação de frustração, incompetência e culpa constante. As crianças e adolescentes se retraem ou se exacerbam, perdem sua naturalidade e podem ficar agressivas, isto pode ser culpa do relógio. Para Augusto Cury, aí sobram diagnósticos e terapêuticas equivocadas de hiperatividade, depressão e outras psicopatias.

REFLEXÃO FINAL

Dar o grito da independência frente aos relógios de pulso não nos dará a felicidade, mas pode nos devolver um pouco a liberdade frente aos bips, alarmes, mensagens e recados implantados em nossos pulsos, justo o lugar onde se deveria correr, apenas, o sangue da vida e a força do que queremos!   

Alberto Consolaro 

Professor Titular da USP  
FOB de Bauru 

consolaro@uol.com.br   


Está desconfiado de câncer na boca? Alberto Consolaro

Quem são e onde estão os “especialistas” em diagnosticar câncer bucal?

Imediatamente procure um profissional e, se ele pedir para voltar daqui três a seis meses, saiba que isto pode ser perigoso, pois se for um carcinoma ou câncer, irá progredir muito e pode comprometer a sobrevida.

Se quem lhe falou isto foi um profissional não especialista, procure outro, dê um jeito, fale com quem você achar melhor para ajudar, você precisa ser atendido por um especialista. A especialidade que você precisa é a Estomatologia, que não tem nada a ver com o estômago e sim com a boca, pois estuda e diagnostica as doenças de boca e orofaringe.

QUAL É O PROFISSIONAL?

Na prática, os profissionais treinados para diagnosticar as doenças da boca e o câncer bucal bem precoce são:

1. O estomatologista que é um cirurgião dentista treinado em cursos de especialização, mestrado ou doutorado.

2. O cirurgião bucomaxilofacial, que também deve estar treinado e preparado para fazer este tipo de diagnóstico bem precoce, pois recebeu esta formação na sua especialização, mestrado ou doutorado.

3. O cirurgião de cabeça e pescoço, um médico especializado em operar esta parte do corpo, como um oncologista da cabeça e pescoço. Na sua residência, que corresponde à especialização, tem anos de treinamento para reconhecer e tratar o câncer bucal.

4. O dermatologista não se preocupa apenas com a estética, ele também tem treinamento para diagnosticar precocemente o câncer bucal em sua residência.

5. O otorrinolaringologista recebe todo treinamento para diagnosticar precocemente o câncer bucal em sua residência.

Procure saber na internet e no site do Conselho Regional de Odontologia ou de Medicina, quem é esse profissional que escolheu para lhe consultar, qual é a sua formação e grau de experiência. Se você não tem como fazer isto por falta de familiaridade com a internet, peça para um parente ou um amigo fazer isto por você. Se não encontrar nenhuma informação sobre ele na internet, provavelmente deve ter alguma coisa errada. Procure outro, mas não desista, você tem pressa.

Não pode ser um cirurgião dentista ou um médico de outra especialidade? Pode, mas na sua formação, as doenças que afetam a mucosa bucal e os ossos maxilares não foram o foco principal de estudo e treinamento. Quando desconfiam que possa ser algo diferente, eles já encaminham o paciente para o especialista. O que não pode é esperar um tempo para ver como fica a situação. Isto é uma prática perigosa para o portador de um possível câncer.

ONDE ESTÃO OS PROFISSIONAIS?

Você tem que achar um destes profissionais, peça ajuda para quem você puder, mas não desista, você precisa ser avaliado por um profissional especializado. O ideal é que ele faça a biópsia no mesmo momento do diagnóstico clinico, para não se perder tempo. Um carcinoma tem milhões de células proliferando toda hora, sem parar. Mas, onde esses profissionais atendem os pacientes?

a) No consultório ou clínica, particular ou pelos planos,

b) Nas clínicas do SUS que estão nos centros de atendimento de especialidades da odontologia e medicina que são municipais, estaduais ou federais,

d) Nos ambulatórios de estomatologia que as faculdades de odontologia oferecem para a sociedade,

e) Nos hospitais que têm ambulatório de estomatologia e atendem pelo SUS e planos de saúde como hospitais de dermatologia, hospitais do câncer etc.

               REFLEXÃO FINAL

Escrevi este artigo depois de ler a pesquisa feita por 11 pesquisadores mineiros liderados por Adriana A. Silva da Costa (Braz. Oral Res. 2023). Avaliaram o tempo decorrido desde os primeiros sintomas até o início do tratamento do câncer bucal e orofaríngeo, para se identificar as variáveis associadas ao atraso no tratamento. Foram incluídos 100 pacientes do ambulatório de cirurgia da cabeça e pescoço de um hospital público brasileiro e acompanhados até o início do tratamento. O tempo médio de espera para o tratamento foi de 217 dias. O intervalo mais longo esteve associado ao atraso profissional, seguido de atraso do paciente na busca de ajuda.

Este tempo de espera de 217 dias (ou sete meses) é simplesmente, impactante!   

Alberto Consolaro 

Professor Titular da USP  
FOB de Bauru 

consolaro@uol.com.br      

7.3.24

Indaiá Coivara e Gambé - dois personagens

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP  

No meu tempo de professor, eu ficava com a antena ligada para conhecer livros que influenciassem na formação do leitor-aluno. Se eu gostasse de um determinado livro, montava um estudo, uma bateria de perguntas e adotava-o. Assim foi com "...E a porteira bateu", do autor de Botucatu (falecido em 2016 com 93 anos).

Esse livro (e outros do autor) é leitura propícia para as pessoas do interior paulista, fundão do Estado de São Paulo. Numa forma romanceada, parecendo ficção, mas sendo também isso, mostra ao leitor como o interior foi colonizado. Passou por um processo semelhante a que passa a Amazônia hoje.   

O livro  mostra como foi construída a estrada de ferro Noroeste do Brasil - NOB. Como um lugarejo chamado Bauru, em 1904, era a ponta de lança na construção da ferrovia. Era, e ainda é, um entroncamento de trilhos.

A leitura mostra a crueldade dos bugreiros, que viviam da matança de índios, expulsando o povo originário para que o branco invadisse, tomasse suas terras. Na época, um homem não armado era um afeminado, um boiola.

Como Francisco Marins, apesar de ser um literato militante, pertencente à Academia Paulista de Letras, com livros traduzidos e várias línguas, escritor também da literatura infantojuvenil (Coleção Vagalume - Editor Ática - publicou alguns deles), nunca foi objeto de estudo nas universidades, por isso não se encontra estudo sobre suas obras. Foi esquecido pela intelectualidade.    

Trata-se de um romance histórico. O livro é narrado em terceira pessoa, dividido em 17 partes, publicado em 1968. A edição da antiga Ática, 1986, havia ilustração de Antônio do Amaral Rocha, 270 páginas. Preço a partir de R$10,00. Atualmente, há edições de outras editoras. 

Há personagens baseados na realidade do sertão, outras são reais, como também as ficcionais. Pelo nome excêntrico, Indaiá Coivara, arrisco a dizer que ele é ficcional e funciona como alterego do autor, pois apresenta visão mais moderadas do sertão paulista.

A tribo Caingangue é dizimada para que desocupassem as terras para que ela fosse grilada, tomada pelos bugreiros que estavam a serviço da especulação fundiária. A abertura da floresta para que a estrada avance também é uma forma de expulsar o povo originário. Nesse contexto hostil, ainda havia gente, fazendeiros ou não, que considerava o índio como o verdadeiro dono das terras. Marechal Cândido Rondon é um personagem histórico que percorre o sertão de Avanhandava e do Rio Feio (Aguapeí). Era pacificador, seu lema principal era "Morrer se preciso for, matar nunca! 

Pelo livro, percebe-se porque os ferroviários contratados eram quase todos negros. Tratavam-se de ex-escravos libertados em 1888, que após o término das obras, os sobreviventes foram contratados como funcionários da companhia.  

Também li "Gambé", do escritor penapolense Fred Di Giacomo Rocha, Companhia das Letras, que faz um recorte da colonização do Oeste Paulista, focalizando a captura (ou volante) comandada por Tenente Galinha. Era um pária da Força Pública do Estado de São Paulo que foi expulso da corporação por várias vezes, mas era recontratado para fazer a limpeza, combatendo ladrões de cavalos e outros meliantes. Uma espécie de milícia atual. Não interessava ao governo processos judiciais, a ordem era matar.

Tenente Galinha aparece também no livro "...E a porteira bateu!", mas Gambé traz numa linguagem mais moderna a captura por dentro, o drama de seus componentes, narrando o seu caráter violento. Preço a partir de R$25,00.

Nossos escritores trazem a história da região em detalhes, transformando a vida na colonização num drama que foi vivido por uma época que matar era fácil, atirava-se no outro apenas para ver de que lado ia cair. Duas leituras recomendáveis.   

6.3.24

Conhecer o mundo e o Brasil - Varpa

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP 

Casa ícone de Varpa - Tupã-SP

Para conhecer o mundo basta visitar o Brasil munido de uma lupa, se há um país diverso, é o nosso. Um grupo, mais de 2 mil pessoas, da Letônia, que fugiu do ateísmo da bolchevique, veio encontrar proteção à sua fé num pedaço de chão do Oeste Paulista na época da colonização, hoje município de Tupã. Chamou-se na linguagem deles VARPA, cujo sentido é espiga.

Eram protestantes da Igreja Batista. A ansiedade religiosa era tamanha que construíram 9 templos no povoado. Hoje, apenas uma funciona e a Assembleia de Deus invadiu.

Hoje, VARPA sobrevive do turismo, das cachoeiras do rio da Aldeia (afluente do Rio do Peixe), das trilhas e da economia alternativa. Possui pousadas, restaurantes e luxuosos hotéis.

O local tem cerca de 600 habitantes, seus velhos são brasileiros, estão na terceira geração. Em 2022, Varpa completou 100 anos.

Visitamos o distrito de Tupã em quatro amigos num carro, num domingo (03/03/2024): Hélio Consolaro, Hosanah Spíndola, Divina dos Santos e Maria de Fátima.

Como jornalista e cronista, estou com amigos explorando o turismo regional.

UMA BELA CARÍCIA

Depois de só escrever na tela, usando celular e computador, realizei meu sonho de menino, comprei uma caneta Parker tinteiro, a 21. Não é imitação, nem chinesa, mas uma caneta para um pobre realizar seu sonho, última linha. Usei muito a Pilot. Passei várias vezes na Relojoaria Rubi, Calçadão de Araçatuba. Verifiquei qual era o preço pela internet, até que resolvi passar o cartão, R$190,00 na maquininha sobre o balcão. Carrego-a na bolsa, com muito orgulho.

Fui alfabetizado, começando a escrever, depois do lápis, com a caneta de pau com uma pena na ponta. Quantas penas foram abertas, estragadas por aquela mão pesada de menino tabaréu, um caipira do sítio, mas peguei o jeito. Molhando o bico da danada no tinteiro. Hoje aqui escrevendo para você, caro internauta, direto no computador. Já se lê por aí que em futuro próximo as crianças serão alfabetizadas na tela do celular, sem caderno e lápis. Quando acontecer isso, minha caneta vai virar peça de museu.  

Meu pai mal sabia assinar o nome, mas nunca deixou de carregar uma caneta no bolso da camisa, à vista. Morreu frustrado por não ter estudado.

Ler, estudar, escrever, ensinar é o resumo de minha vida. Ter uma caneta Parker foi uma bela carícia. 

29.2.24

Arvoredo da rua Anita Garibaldi


 Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP 

Há um romance histórico do escritor de Botucatu, Francisco Marins, intitulado “... E a porteira bateu!” (1968), que narra de forma romanceada, fácil de ser lida, a saga da colonização do Oeste Paulista, começando por Bauru em 1904, com a implantação da estrada de ferro. Adquira o livro em sebos, via internet, R$10,00, 270 páginas.

Por sua leitura, perceberá que a briga dos índios na Amazônia ocorrida agora, já acontecia há mais de 100 anos em nossa cidade e região.

O grande defensor dos povos originários era Marechal Rondon, mas nem sempre era   bem-sucedido, cujo lema era “Morrer se preciso for, matar nunca”.

Bugreiros e grileiros eram os bandidos do enredo. Segundo os historiadores, Araçatuba tem muitos nomes de lugares públicos que homenageiam essa gente com seus nomes.

Bugreiros espantavam índios, incendiavam tabas para que o grileiro tivesse terra para vender de forma loteada, buscando assim a legalidade da posse de terras roubadas.

No quilômetro 539, conforme o livro de Francisco Marins, houve um choque entre caingangues (a tribo dona do pedaço) e os trabalhadores da estrada de ferro. Nele, morreu o agrimensor, dinamarquês, Cristiano Olsen (nome de nossa primeira escola do município). Não havia pacificação que resistisse com os ataques dos bugreiros e reação dos povos originários. A violência está na raiz de nossa história.

O quilômetro 539 se localizava na proximidade da rua Anita Garibaldi; atualmente um arvoredo que se chama praça Darci de Oliveira, onde eram feitas feiras de artesanato.

Ajeitar o terreno e plantar as árvores, montar a praça, foi obra da ex-prefeita Marilene Magri, que governou a cidade por três meses (100 dias), no finalzinho de 2008, assumindo a Prefeitura com a cassação de Jorge Maluly Neto. Não dava tempo de fazer nada, plantou árvores.

Se para cada pessoa assassina na abertura do município (invasor ou originário), construíssemos uma cruz no local, Araçatuba hoje seria um imenso cemitério.

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP, Penápolis-SP e Itaperuna-RJ

 

 

FERROVIÁRIOS NEGROS

O livro “...E a porteira bateu”! confirma aquilo o que a gente vê ao vivo, mas não acredita, precisa aparecer escrito nos livros, que os negros liberados pela Princesa Isabel foram contratados para ajudar na construção das estradas de ferro paulistas pela companhia.

Ao acabar a estrada, os negros remanescentes, sobreviventes, foram contratados como funcionários pela companhia e registrados, passando a ser ferroviários. Ganharam dignidade. Em Araçatuba, eles habitavam os bairros Santana e São Joaquim. Até uma escola estadual ganhou um advogado negro como patrono: Luís Gama.

(O Brasil), Araçatuba e região foram povoados por ajuntamentos de gente de todos os tipos e de todas as partes do mundo, que vieram cumprir a sina nesse fundão do Estado de São Paulo. Num terreno fértil para a solidariedade, não é possível dizer que um seja melhor do que o outro.

20.2.24

Violência não constrói o amor

Presidente Lula na Cúpula da União Africana

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

"Então os covardes genocidas dizem que Lula é persona non grata em Israel. Lula não assassinou mais de 29 mil palestinos – a esmagadora maioria mulheres e crianças", disse ele. "A história acabará por julgar os genocidas como persona non grata para toda a humanidade" - Pepe Escobar, jornalista, correspondente internacional

Este croniqueiro de Araçatuba, interior paulista, se atreve a meter a sua colher de pauna pauta internacional, tentando esclarecer, embora nessa guerra ideológica vença quem tem paixão e não quem tenha razão. 

O presidente Lula não está contra os judeus, nem contra os israelitas, mas combate a ultradireita judaica e israelita. Há milhões  de judeus contra a guerra e não apoiam Netanyahu, que tenta a se manter no poder a qualquer custo. O custo maior quem paga são os palestinos.

Quem tem que pedir desculpas ao mundo e ser punido pelo genocídio praticado são os governantes de Israel. Lula não matou ninguém, apenas promove a paz e quer combater a fome no mundo. A ultradireita não é o mundo.

De retorno de uma missão humanitária no Oriente Médio, Raphael Pitti, médico francês, chefiando uma comitiva, experiente em guerras, afirmou nunca ter visto nada comparável à situação em Gaza. Ele acha que pode ser semelhante à do Gueto de Varsóvia”, onde 380 mil judeus foram amontoados pelos nazistas desde 1940, em condições de vida desumana.

 Quem apoia Netanyahu no Brasil? Os bolsonaristas, a ultradireita, em resumo, os golpistas. A luta é contra os mesmos adversários, que matam e torturam para conquistar o poder ou se manter nele. A Rede Globo quer mesmo é emparedar o Governo Lula para enfraquecê-lo e mandar na governança. 

De onde Lula gritou para o mundo? Não foi da Europa, nem dos Estados Unidos, mas da África, continente de pobres e negros, numa reunião da Cúpula de União Africana, com todos os seus presidentes, que também são contra Netanyahu. 

Benjamin Netanyahu tinha o maior medo de que uma liderança, com moral no mundo dissesse as verdades que Lula disse bem alto para os povos da Terra. O presidente brasileiro está arracando a máscara do líder ultradireitista de Israel.

Quem defenda os princípios pacíficos da ONU é Lula. Quem ultrapassa a linha vermelha construída pelo sangue do povo palestino é Benjamin Netanyahu. Este é a personanon grata da humanidade.

Um país de um povo que tanto sofreu o peso da crueldade praticada pelos nazistas, o governo de um povo tão sofrido não pode cometer as mesmas atrocidades. Precisa ser mesmo chamado de genocida, praticante de um massacre. Hamas cometeu atos terroristas com Israel, mas o povo palestinos não merece ser dizimado por isso. A violência não constrói o amor.  

18.2.24

Dentaduras não causam câncer - Alberto Consolaro

Dentaduras variam quanto a confecção ou manutenção e nenhuma delas tem qualquer relação como causa do câncer bucal

As células se renovam a todo instante, reparando os danos provocados na interação com o ambiente. Batemos, raspamos, sentamo-nos, pressionamos e exigimos fisicamente dos tecidos como na canela, pés e mãos, mas também na boca, nariz, olhos etc.

Os traumatismos não alteram genes, DNA e o metabolismo da proliferação celular. Quando se precisa de um tecido mais rude ou forte para uma função aumentada, ocorrem as respostas adaptativas como a hiperplasia, hipertrofia e metaplasia:

1.Hiperplasia é o aumento do número de células. Quando se usa muito as palmas e as plantas dos pés, aumenta-se a quantidade de células que produzem mais queratina e ficam mais resistentes.

2.Quando a célula não consegue mais proliferar, ela aumenta muito seu tamanho para compensar e suprir a necessidade do momento, como os músculos nos exercícios.

3.O traumatismo pode induzir a mudança da forma e função do tecido. Isto chama metaplasia, uma metamorfose na mesma linhagem tecidual. Se morder muito o lábio, pode aparecer uma mancha branca pelo excesso de queratina para suportar a ação mecânica aumentada.

O traumatismo não gera câncer, ao contrário do que se dizia (opinião) há mais de 60 anos, quando nem se sabia ao certo, como era o núcleo, DNA e os genes. Hoje, isto só tem valor histórico, e nem se fala mais nos centros desenvolvidos e menos ainda, nas publicações da OMS.

SEM CÂNCER

Bem antigamente chegou-se a dizer que os traumatismos das dentaduras provocavam câncer. Que próteses quebradas ou velhas também. Mas, na verdade, cientificamente, não é nada disto. Quando aparecia o câncer na boca, o paciente era fumante ou etilista, e quase sempre a lesão aparecia nas áreas em que a prótese não a protegia destes carcinógenos.

Debaixo da dentadura pode-se ter irritações inflamatórias por traumatismo devido a falta de adaptação de próteses desgastadas pelo uso prolongado, gerando hiperplasias reacionais. Depois de 2 anos, o ideal é refazer, pois desgasta o material e a boca se modifica com os anos.

Ainda debaixo da prótese, podemos ter micoses como a candidose crônica induzida por um fungo que aproveita a região com pouca luz, pouco oxigênio e restos alimentares para proliferarem: é tudo que precisam! O certo é higienizar e deixar a dentadura algumas horas por dia na água, deixando a mucosa “respirando”. A boca precisa descansar, já imaginou usar sapato 24h por dia. Inflama o pé, e a boca também!

SEM RELAÇÃO

Não há nenhum trabalho, em qualquer época ou tipo, que se evidenciou qualquer relação entre dentaduras, quebradas ou não, com o câncer bucal. É importante ressaltar que opinião não é ciência e nem a experiência pessoal. O achismo não tem lugar na ciência. Para ser ciência, tem que ser um trabalho publicado em revista científica conceituada, com metodologia e número de pacientes, controlados e sem opinião.

As causas do câncer bucal são tabaco (inclusive eletrônico), álcool (incluindo os de enxaguantes e todos os tipos de bebidas), HPV, raios solares, substâncias químicas usadas para clarear dentes sem proteger o seu contato com a mucosa bucal, produtos químicos de alimentos como herbicidas, inseticidas, conservantes, hormônios e outros produtos incorporados nos legumes, cereais, carnes etc.

A falta de higiene bucal, de manutenção das próteses com ou sem implantes e as restaurações quebradas, não são causas e nem facilitadoras para o aparecimento do câncer bucal. Vamos ser lógicos: a pessoa que não cuida dos dentes e da boca, é claro que não se importa com os vícios, com a escolha adequada de alimentos e muito menos ainda, com a proteção da mucosa bucal.

REFLEXÃO FINAL

Não dá para conscientizar a higiene da boca, cuidar dos dentes ou trocar a dentadura, com base no medo de ter câncer, pois a ciência não oferece nenhum fundamento para esta afirmação. Cada dia que passa, a média de idade dos pacientes com câncer bucal diminui, atingindo jovens com mais de 35 anos, bom estado dos dentes e da boca como um todo.

Lembrete: o medo afugenta as pessoas e não conscientiza ninguém; quem conscientiza é o conhecimento pleno sobre o assunto, o que nos aproxima da verdade sem mistérios ou ocultismos! 

Alberto Consolaro 

Professor Titular da USP  
FOB de Bauru 

consolaro@uol.com.br