AGENDA CULTURAL

2.7.13

Dupla vitória




Hélio Consolaro*



Nunca torci tanto pela seleção brasileira, com tamanha intensidade, como no domingo, 30 de junho de 2013, contra a Espanha. Eu me senti parte de uma nação, pulávamos a cada peripécia de nossos jogadores. Valia tudo para manifestar a alegria.



Cheguei a estragar meu chapéu panamá no estilo Tom Jobim de tanto bater o danado na mesa da Choppompeu, em Araçatuba, a cada gol marcado, no pênalti defendido por Júlio César e pela bola tirada da boca do gol por David Luís.



Depois da alegria, fiquei pensando na Copa de 1970, quando o Brasil conquistou o tricampeonato  no México. Na época, eu torcia para que a seleção perdesse, pois os militares usavam o futebol para esconder as torturas no calabouço, onde a oposição morria de tanto apanhar e levar choques elétricos.



Um jovem chegou a me dizer na segunda-feira, 1.º/07/2013, que a vitória do Brasil tinha sido marmelada.



- Não seja brasileiro vira-lata, meu rapaz. Tenha orgulho de sua pátria, não repita o meu erro de juventude. Torcia contra Brasil para combater o regime militar! Se não gosta da Dilma, do Lula, do PT, seja contra eles, não seja contra a seleção.




A minha satisfação em 2013 era dupla (esportiva e política), semelhante à dos militares (1970) na conquista do tricampeonato da seleção brasileira, com a presença do presidente militar, imposto pela força, no estádio mexicano. A taça Jules Rimet foi erguida pelo próprio presidente de então, Emílio Garrastazu Médici. Naquela época, o barulho da torcida encobria o grito dos calabouços, enquanto a televisão fazia as patriotadas.


Presidente Médici levanta a taça no México
Na vitória de domingo da seleção, 2013, uma partezinha dos brasileiros fazia o mesmo papel que a oposição clandestina fazia em 1970: torcia contra o Brasil porque sabia que a vitória ajudava a presidenta Dilma e o PT. Ninguém pode negar que a vitória esportiva de um esporte das massas beneficia quem está no poder. Na noite de domingo, depois do mel da vitória, a população foi para as ruas com as cores do Brasil.



Apesar dessa semelhança, há uma diferença fundamental que muda todo o cenário e tira de mim o peso de consciência: agora vivemos uma democracia. Hoje, podemos escrever contra o governo e vaiar a presidenta, naqueles anos de chumbo, não se atrevia a fazer isso nem no exterior. A oposição até faz protesto no dia do jogo da seleção. A cidadania e a liberdade estão garantidas.  

 
Casal amigo, Tânia e Assis
A presidenta Dilma acolhe o clamor das ruas, chama a oposição no Congresso Nacional para conversar, quer incluir, não quer excluir. Sabe que tem responsabilidades, que não pode rejeitar as minorias, reconhece a legitimidade dos protestos, embora discorde deles. Como escreveu o sociólogo Manel Castells: Dilma é a primeira líder mundial a ouvir as ruas nestes tempos de rede social.



O gostinho político da vitória em 1970 e em 2013 pode ser o mesmo, a massa desinteressada pelo cotidiano da política também, mas o contexto, a realidade do país é bem diferente. Liberdade sempre.



*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário Municipal de Cultura de Araçatuba-SP     

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