AGENDA CULTURAL

29.3.14

Golpe, ditadura ou revolução?

Hélio Consolaro*

Há palavras que são usadas apenas por um segmento social, trazem em sua semântica uma carga ideológica. É possível determinar a posição política de um entrevistado apenas por algumas palavras usadas.

Assim, quando um grupo de sem-terra entra numa fazenda, o fazendeiro classifica o fato de “invasão”, invasão de propriedade; já o acampado dá o nome de “ocupação”, está ocupando aquilo que foi apropriado indevidamente.

Em 31 de março de 2014, há 50 anos, os militares destituíram o presidente eleito pelo povo, João Goulart, e eles mesmos se ocuparam da parte administrativa do país. As palavras usadas para nominar o fato histórico demonstram de que lado estava (ou está) o interlocutor, determinar a sua ideologia.          

No ano passado, o Chile relembrou que há 40 anos, setembro de 1973-2013, ocorria a ditadura de Augusto Pinochet; neste ano, 1964-2014, o Brasil relembra os 50 anos do Golpe de Estado.

Golpe, ditadura ou revolução? Que palavra usar? Depende muito da visão política de cada um. Quem é partidário do regime democrático, vai usar “golpe”, “ditadura”; quem usufruiu da ditadura militar, apoiando-a ou mesmo ficando alienado a tudo, vai chamar o fato de revolução. Há gente que considera perda de tempo relembrar tais fatos.

Às vezes, a alienação é tanta que as pessoas não sabem diferenciar períodos históricos. Na década de 90, quando FHC governava o país, com a democracia restabelecida, tive que dizer a uma colega do magistério (professora do antigo primário) que não se comemorava mais 31 de março como uma data cívica, porque aquele período não foi bom para o Brasil. Ela continuava a enaltecer a “revolução” para os alunos por uma questão de hábito.  

Nós, brasileiros, nos contentamos com a anistia feita para os dois lados. Assim, o coronel reformado Paulo Malhães, confessou pela televisão (Bom Dia São Paulo de 26/03/2014) que matou, torturou em nome do Estado, inclusive um deputado federal, Rubens Paiva, e não foi preso por causa de tal declaração, deu até detalhes. O assassino está anistiado, sem punição, como se fosse um herói.

Os brasileiros praticam a política da conciliação, basta ver como foi proclamada nossa Independência por Dom Pedro I. Então, por aqui, enquanto as partes envolvidas viverem, a ditadura militar não será passada a limpo. Essa característica conciliatória de nosso povo tem seus pontos negativos e positivos.

No Chile, a coisa é mais complicada, porque os partidários de Augusto Pinochet ainda militam na política chilena.  Os professores, por determinação do Conselho Nacional de Educação, que ainda é dominado por forças conservadoras, não podem ensinar na escola que o período de Augusto Pinochet foi uma ditadura militar, apenas de regime militar.

Parece que o tema deste artigo seja a política, a história, mas na verdade traz uma lição de semântica, ciência que estuda o sentido das palavras, suas implicações contextuais. As palavras revelam o pensamento político de seus usuários.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP 

Um comentário:

HAMILTON BRITO... disse...

Eu nao me contentei com a anistia feita para os dois lados. Eu tive que engolir. Os criminosos estiveram dos dos dois lados e haveria a necessidade de puni-los. Criou-se um precedente.Amanham em outra situação parecida poder-se-á cometer os mesmos crimes pois os babacas anistiam. Até na guerra criou-se tribunais para julgar seus criminosos. Aqui os bunitim deixam tudo pra lá. Em tempo: pra mim foi golpe mesmo pois o presidente foi democraticamente eleito pelo povo.