Hélio Consolaro*
Há palavras que são usadas apenas por um segmento social,
trazem em sua semântica uma carga ideológica. É possível determinar a posição
política de um entrevistado apenas por algumas palavras usadas.
Assim, quando um grupo de sem-terra entra numa fazenda, o
fazendeiro classifica o fato de “invasão”, invasão de propriedade; já o
acampado dá o nome de “ocupação”, está ocupando aquilo que foi apropriado
indevidamente.
Em 31 de março de 2014, há 50 anos, os militares destituíram
o presidente eleito pelo povo, João Goulart, e eles mesmos se ocuparam da parte
administrativa do país. As palavras usadas para nominar o fato histórico
demonstram de que lado estava (ou está) o interlocutor, determinar a sua ideologia.
No ano passado, o Chile relembrou que há 40 anos, setembro
de 1973-2013, ocorria a ditadura de Augusto Pinochet; neste ano, 1964-2014, o
Brasil relembra os 50 anos do Golpe de Estado.
Golpe, ditadura ou revolução? Que palavra usar? Depende
muito da visão política de cada um. Quem é partidário do regime democrático,
vai usar “golpe”, “ditadura”; quem usufruiu da ditadura militar, apoiando-a ou
mesmo ficando alienado a tudo, vai chamar o fato de revolução. Há gente que
considera perda de tempo relembrar tais fatos.
Às vezes, a alienação é tanta que as pessoas não sabem
diferenciar períodos históricos. Na década de 90, quando FHC governava o país, com
a democracia restabelecida, tive que dizer a uma colega do magistério
(professora do antigo primário) que não se comemorava mais 31 de março como uma
data cívica, porque aquele período não foi bom para o Brasil. Ela continuava a
enaltecer a “revolução” para os alunos por uma questão de hábito.
Nós, brasileiros, nos contentamos com a anistia feita para
os dois lados. Assim, o coronel reformado Paulo Malhães, confessou pela
televisão (Bom Dia São Paulo de 26/03/2014) que matou, torturou em nome do
Estado, inclusive um deputado federal, Rubens Paiva, e não foi preso por causa
de tal declaração, deu até detalhes. O assassino está anistiado, sem punição,
como se fosse um herói.
Os brasileiros praticam a política da conciliação, basta ver
como foi proclamada nossa Independência por Dom Pedro I. Então, por aqui,
enquanto as partes envolvidas viverem, a ditadura militar não será passada a
limpo. Essa característica conciliatória de nosso povo tem seus pontos
negativos e positivos.
No Chile, a coisa é mais complicada, porque os partidários
de Augusto Pinochet ainda militam na política chilena. Os professores, por determinação do Conselho
Nacional de Educação, que ainda é dominado por forças conservadoras, não podem
ensinar na escola que o período de Augusto Pinochet foi uma ditadura militar,
apenas de regime militar.
Parece que o tema deste artigo seja a política, a história,
mas na verdade traz uma lição de semântica, ciência que estuda o sentido das
palavras, suas implicações contextuais. As palavras revelam o pensamento
político de seus usuários.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor.
Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP
Um comentário:
Eu nao me contentei com a anistia feita para os dois lados. Eu tive que engolir. Os criminosos estiveram dos dos dois lados e haveria a necessidade de puni-los. Criou-se um precedente.Amanham em outra situação parecida poder-se-á cometer os mesmos crimes pois os babacas anistiam. Até na guerra criou-se tribunais para julgar seus criminosos. Aqui os bunitim deixam tudo pra lá. Em tempo: pra mim foi golpe mesmo pois o presidente foi democraticamente eleito pelo povo.
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