AGENDA CULTURAL

5.10.22

Pelejantes e democracia

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Em dias de resultados eleitorais, de tristezas e alegrias e também de xingamentos, quando mais se ouve de candidatos é a frase: “Fui traído!” E cronista não vai ignorar assunto tão palpitante.

Guardo alguns casos interessantes para dividir com os leitores em época oportuna como este que vou contar aqui. Fui vereador seis anos, antes da vigência da Constituição Cidadã de 1988, quando os termos direita e esquerda nem eram citados, apenas em papos mais acadêmicos.

Os ânimos se exaltavam, mas depois das sessões da Câmara Municipal de Araçatuba íamos comer alguma coisa no Celso Lanches. Dos três Hélios da 18ª. legislatura, morreu apenas o Helinho (Hélio Corrêa).

No começo deste ano, eu estava comemorando  com a família o aniversário de uma das netas, a Elis, no restaurante Pekin com um suculento jantar, quando alguém me chamou (na hora nem percebi, por isso chamou novamente) e era Hélio Pereira de Souza com seu novo amor.

Os dois com toda a saúde do mundo. Foi um reencontro significativo com conversas saudáveis. Trocamos endereços de zap, que é o costume atual.  Para quem não conhece, Helião (assim era chamado, pois é grandalhão). Como naquela época não havia a predominância da linguagem politicamente correta, chegavam a chamá-lo de Helião Preto.

Formado em odontologia, empresário do ramo de brinquedos, foi vereador em várias legislaturas, presidente da Câmara, vice-prefeito, sempre militando na política.

Aliás, quando usei o título de eleitor pela primeira vez, havia votado nele por ser meu xará. Veja se isso é critério para escolher um candidato. De repente, sumiu da cidade. Desencontros familiares. 

Dias depois, recebi uma mensagem do Helião pelo zap que guardo até hoje como troféu:

“Hélio, nunca fomos companheiros políticos, mas sempre respeitei você e o admirei pelos seus posicionamentos claros, objetivos, sempre honestos e probos. Foi muito bom ver você com saúde e atuante. A política deveria ter centenas e milhares de pessoas da sua têmpera e da sua honestidade. O BRASIL SERIA OUTRO. VAMOS NOS REUNIR E TROCAR IDEIAS.  BOM DIA”. 

A expressão “nunca fomos companheiros políticos” quer dizer: nunca fomos do mesmo partido, mas na Câmara formávamos a diminuta bancada de oposição. Depois dessas palavras, eu me senti “o cara”.

Por que estou contando esse caso? Querendo aparecer? Não. A crônica é um texto contado em primeira pessoa, uma conversa solta, informal, com o leitor. Há um certo conchavo, compadrio entre leitor e cronista.

Estou tentando mostrar que ainda bem que as conversas políticas terminavam em pizza naquela época. Atualmente, elas estão terminando em facada, tiros, assassinatos. O voto é um substituto das revoluções, mas parece que o ser humano está voltando a seus primórdios.

Os contrários, os diferentes, gente com pontos de vista divergentes não precisam levar as discordâncias para o campo da violência. A beleza da democracia é essa convivência do respeito pelo outro, mesmo que não concorde com ele.

Nosso encontro me foi um bálsamo.


3 comentários:

Paulo Maia disse...

Excelente texto. Prova que podemos ter opiniões diferentes e ainda assim, tomarmos um belo e delicioso chopp juntos.

Anônimo disse...

Oportuno texto. Hoje, com o desviu sobre o que é política e seus desdobramentos, sobrou uma pobreza de ataques pessoais, principalmente os de ordens religiosas e morais. Não se discute politicamente os graves problemas que estamos enfrentando. O que restou foi isto que estamos vendo. Uma tragédia!

Anônimo disse...

Sempre tive tenho & terei muito muito respeito pelos dois personagens. Mestre Hélio & Dr.Helio ! Parabéns pelo texto !