AGENDA CULTURAL

16.3.14

Sotaque, uma forma de ser


Hélio Consolaro*

No ano de 2000, o acadêmico Lourival Amilton Lautenschlager, o Lorico (Academia Araçatubense de Letras), me trouxe do Ceará, como lembrança de uma viagem que ele fez por lá o “Dicionário de Cearês”, de Marcus Gadelha – um suvenir literário.

Trata-se de uma publicação de 161 páginas, na medida 11 cm por 15 cm, da editora regional “Multigraf”. O prefácio é feito pelo brega star Falcão. Os cearenses são unidos.

Os verbetes vão desde palavrões usados por cearenses até o vocabulário do cotidiano. Exemplo: cabeça-chata – é como são conhecidos os cearenses de todo o Brasil. Na verdade cearense tem uma beleza angulosa semelhante a dos franceses, como: o ex-presidente Castelo Branco, Renato Aragão, Chico Anísio – todos lindíssimos.

Agora tenho a notícia de que teremos um filme nacional, falado em cearês, com legenda em português. Legendar ou não legendar foi uma polêmica na produção do filme. Refiro-me a “Cine Holliúdy – O artista contra do caba do mal”, de Halder Gomes, cuja origem é um curta do mesmo autor. O filme confronta a ideia de que um sotaque não é só uma marca linguística regional, mas uma visão de mundo.  


As definições de "dialeto" e "regionalismo" ajudam a entender o alcance do cearês (ou cearensês). É o que diz o professor Josenir Alcântara de Oliveira, doutor em filologia e língua portuguesa pela USP e professor da Universidade Federal do Ceará.

“Se se entender, como [o linguista Larry] Trask, por dialeto ‘uma variedade distintiva de uma língua usada por falantes em uma particular região geográfica ou em um particular grupo social, poder-se-ia dizer que o cearês é um dialeto”.

Já a definição de "regionalismo" extrapola o conceito de fronteiras. “Embora imbricado com o dialeto, parece que o regionalismo o excede, uma vez que ele põe em destaque não só os aspectos linguísticos, mas socioculturais da cultura popular de uma região. Assim, parece razoável dizer que o cearês é um dialeto inserido num regionalismo para quem o dialeto cearense tem como característica a interferência no léxico. Por exemplo: "abestado", tolo; "avexado", apressado; e na fraseologia: "botar buneco" significa criar confusão. 

O filme “Cine Holliúdy” conquistou os cineastas famosos do Brasil, como o diretor Fernando Meireles, de Cidade de Deus, que  elogiou o filme e afirmou que o ator Edimilson Filho é um gênio. "O Brasil não vê um comediante popular assim desde Oscarito. A última sequência do filme, onde Edimilson conta o filme para a plateia [devido a uma falha na projeção] é antológica. Chaplin ficaria de boca aberta.”

Como afirma Halder Gomes: sotaque é a firmação de um estado de ser, por isso diz ficar triste quando ouve alguém falando um português sintético, negando suas origens.


*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP

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