AGENDA CULTURAL

13.11.14

Ter o pé na cozinha

*Hélio Consolaro

Certa vez, quando ainda estava na presidência da República, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso disse que tinha o pé na cozinha. Uma expressão eufêmica para falar que tem a raça negra no sangue, porque em nossa vida colonial e imperial, durante a escravidão negra, as escravas negras trabalhavam na cozinha. 

Durante a campanha eleitoral, nos limites do Estado de São Paulo, percebi que não havia afrodescendente entre os candidatos tucanos nas eleições de 2014. Uma amostra de que o tucanato abriga a elite branca de São Paulo, para usar terminologia de Cláudio Lembo. Não se trata de uma pesquisa científica, mas de constatação empírica baseada na observação direta deste blogueiro.

Parece uma bobagem, brasileiro não leva em consideração as questões raciais. No Sudeste e Sul, leva sim. Digo isso porque sou um caucasiano. Bem me lembro do escândalo que minha tia Joana causou na família porque namorou e se casou com um “moreninho”, tio Quinzinho.

Hoje, isso está mais leve, mas entre os bacanas a cor conta e muito. Rezamos, oramos, dizemos que somos filhos do mesmo Pai, mas na hora H, servimos a dois senhores. Queremos os negros para serviçais.

Há tempos atrás, quando a minha filha apresentou um “negão” como seu namorado, levei um choque, apesar de todo o meu discurso progressista.
Na hora de dar um benefício à população afrodescendente, nós, brancos, reagimos da mesma forma em todas as partes do mundo: negativamente.

No dia 20 de novembro, teremos o feriado municipal, Araçatuba, em comemoração ao Dia da Consciência Negra, proposto pelo então prefeito Jorge Maluly Neto. Até hoje, há questionamentos a respeito, ações na Justiça.   Ninguém diz que a contrariedade ao feriado seja a questão racial, tergiversam, dão outras desculpas.
Neste 2014, quando o goleiro Aranha, do Santos F.C. foi chamado de “macaco” por torcedores gremistas em Porto Alegre, durante uma partida, o Pelé condenou a atitude, mas pediu ao Aranha para não radicalizar.

Até compreendemos a atitude do Rei do Futebol, que sempre foi pela conciliação, mas há momentos em que a radicalização é necessária, faz parte do processo educativo.

Ao ver o musical “Casa Grande e Sanzala”, de grupo da cidade do Rio de Janeiro, inspirado livremente na obra homônima de Gilberto Freyre, apresentado pelo Festival de Teatro de Araçatuba – FESTARA 2014, lembrei-me da leitura do livro.

Para entendemos bem a nossa brasilidade, a nossa diversidade cultural, como é o racismo entre nós, se faz necessário ler livros como ”Casa Grande e Sanzala”, de Gilberto Freyre, “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Hollanda, “Caráter nacional do brasileiro: estudo de ideologias e estereótipos”, de Dante Moreira Leite.  

Conhecer-nos como povo, ter conhecimento histórico sobre nosso país é um grande passo para compreender a nossa realidade, mesmo que você diga por aí mais tarde que tem o pé na cozinha.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP


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