*Hélio Consolaro
Certa vez, quando ainda estava na presidência da República, o
sociólogo Fernando Henrique Cardoso disse que tinha o pé na cozinha. Uma
expressão eufêmica para falar que tem a raça negra no sangue, porque em nossa
vida colonial e imperial, durante a escravidão negra, as escravas negras trabalhavam
na cozinha.
Durante a campanha eleitoral, nos limites do Estado de São
Paulo, percebi que não havia afrodescendente entre os candidatos tucanos nas
eleições de 2014. Uma amostra de que o tucanato abriga a elite branca de São
Paulo, para usar terminologia de Cláudio Lembo. Não se trata de uma pesquisa
científica, mas de constatação empírica baseada na observação direta deste
blogueiro.
Parece uma bobagem, brasileiro não leva em consideração as
questões raciais. No Sudeste e Sul, leva sim. Digo isso porque sou um
caucasiano. Bem me lembro do escândalo que minha tia Joana causou na família porque
namorou e se casou com um “moreninho”, tio Quinzinho.
Hoje, isso está mais leve, mas entre os bacanas a cor conta
e muito. Rezamos, oramos, dizemos que somos filhos do mesmo Pai, mas na hora H,
servimos a dois senhores. Queremos os negros para serviçais.
Há tempos atrás, quando a minha filha apresentou um “negão”
como seu namorado, levei um choque, apesar de todo o meu discurso progressista.
Na hora de dar um benefício à população afrodescendente,
nós, brancos, reagimos da mesma forma em todas as partes do mundo:
negativamente.
No dia 20 de novembro, teremos o feriado municipal,
Araçatuba, em comemoração ao Dia da Consciência Negra, proposto pelo então
prefeito Jorge Maluly Neto. Até hoje, há questionamentos a respeito, ações na
Justiça. Ninguém diz que a contrariedade ao feriado
seja a questão racial, tergiversam, dão outras desculpas.
Neste 2014, quando o goleiro Aranha, do Santos F.C. foi
chamado de “macaco” por torcedores gremistas em Porto Alegre, durante uma
partida, o Pelé condenou a atitude, mas pediu ao Aranha para não radicalizar.
Até compreendemos a atitude do Rei do Futebol, que sempre
foi pela conciliação, mas há momentos em que a radicalização é necessária, faz
parte do processo educativo.
Ao ver o musical “Casa Grande e Sanzala”, de grupo da cidade
do Rio de Janeiro, inspirado livremente na obra homônima de Gilberto Freyre, apresentado
pelo Festival de Teatro de Araçatuba – FESTARA 2014, lembrei-me da leitura do
livro.
Para entendemos bem a nossa brasilidade, a nossa diversidade
cultural, como é o racismo entre nós, se faz necessário ler livros como ”Casa
Grande e Sanzala”, de Gilberto Freyre, “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de
Hollanda, “Caráter nacional do brasileiro: estudo de ideologias e estereótipos”,
de Dante Moreira Leite.
Conhecer-nos como povo, ter conhecimento histórico sobre
nosso país é um grande passo para compreender a nossa realidade, mesmo que você
diga por aí mais tarde que tem o pé na cozinha.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor.
Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP
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